Foro de competência em Mandado de Segurança: Possibilidade de impetrar o writ na sede do impetrante ainda que a autoridade coatora se encontre em Estado diverso

 




IMPORTANTE: Em 27.04.2023 o STF julgou as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 5492 e 5737, atribuindo interpretação conforme a Constituição ao art. 52, parágrafo único, do CPC, para restringir a competência do foro de domicílio do autor às comarcas inseridas nos limites territoriais do Estado-membro ou do Distrito Federal que figure como réu.

A virtualização dos processos judiciais possui papel fundamental no acesso à justiça.

No entanto, a diversidade de sistemas e a multiplicidade de regra local para pagamento das despesas processuais representam enormes barreiras para o adequado acesso à justiça.

Pensando nisso, seria possível o autor impetrar mandado de segurança no foro de sua sede, ainda que contra autoridade estadual em Estado diverso?

A resposta é sim!

A Lei 12.016/2009, norma especial, que regulamenta o Mandado de Segurança não apresenta regra específica sobre o tema. Logo, deve-se examinar ao caso a aplicação da regra geral prevista no Código de Processo Civil.

Ao examinarmos o CPC, nota-se que o código possibilita a propositura de ação na sede do autor quando o Estado ou o Distrito Federal for demandado:

Art. 52. É competente o foro de domicílio do réu para as causas em que seja autor Estado ou o Distrito Federal. 

Parágrafo único. Se Estado ou o Distrito Federal for o demandado, a ação poderá ser proposta no foro de domicílio do autor, no de ocorrência do ato ou fato que originou a demanda, no de situação da coisa ou na capital do respectivo ente federado.

De fato, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já enfrentou a questão e reconhece a possibilidade de ajuizamento de ação no foro de domicílio do autor, ainda que ajuizada contra Estado diverso:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ORDINÁRIA CONTRA O ESTADO DE MINAS GERAIS AJUIZADA NO ESTADO DE SERGIPE. POSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA CONCORRENTE DO FORO DO DOMICÍLIO DO AUTOR. AGRAVO INTERNO DO ENTE ESTADUAL DESPROVIDO. 

1. Na hipótese dos autos, trata-se de ação ordinária contra o Estado de Minas Gerais ajuizada na Comarca de Aracaju/SE. 

2. A orientação jurisprudencial desta Corte é no sentido de que, conforme o art. 52 do Código de Processo Civil, é competente o foro de domicílio do réu para as causas em que seja autor Estado ou o Distrito Federal. Se Estado ou o Distrito Federal for o demandado, a ação poderá ser proposta no foro de domicílio do autor, no de ocorrência do ato ou fato que originou a demanda, no de situação da coisa ou na capital do respectivo ente federado (AgInt no CC 157.479/SE, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/11/2018, DJe 04/12/2018). Precedentes. 3. Agravo interno do Estado de Minas Gerais a que se nega provimento. 

(AgInt no REsp n. 1.852.858/SE, relator Manoel Erhardt (desembargador Convocado do Trf5), Primeira Turma, DJe de 24/3/2022.)

Em que pese o precedente tratar de ação ordinária, a verdade é que o CPC não faz distinção entre as várias espécies de ações e procedimentos previstos na legislação processual, de modo que o fato de se tratar de ação mandamental não impede o autor de escolher o foro que entender mais conveniente:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. AUTARQUIA FEDERAL. ARTIGO 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. POSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO NO DOMICÍLIO DO AUTOR. FACULDADE CONFERIDA AO IMPETRANTE. 

1. Não se desconhece a existência de jurisprudência no âmbito deste Superior Tribunal de Justiça segundo a qual, em se tratando de Mandado de Segurança, a competência para processamento e julgamento da demanda é estabelecida de acordo com a sede funcional da autoridade apontada como coatora e a sua categoria profissional. No entanto, a aplicação absoluta de tal entendimento não se coaduna com a jurisprudência, também albergada por esta Corte de Justiça, no sentido de que "Proposta ação em face da União, a Constituição Federal (art. 109, § 2º) possibilita à parte autora o ajuizamento no foro de seu domicílio" (REsp 942.185/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 02/06/2009, DJe 03/08/2009). 

2. Diante do aparente conflito de interpretações, tenho que deve prevalecer a compreensão de que o art. 109 da Constituição Federal não faz distinção entre as várias espécies de ações e procedimentos previstos na legislação processual, motivo pelo qual o fato de se tratar de uma ação mandamental não impede o autor de escolher, entre as opções definidas pela Lei Maior, o foro mais conveniente à satisfação de sua pretensão

3. A faculdade prevista no art. 109, § 2º, da Constituição Federal, abrange o ajuizamento de ação contra quaisquer das entidades federais capazes de atrair a competência da Justiça Federal, uma vez que o ordenamento constitucional, neste aspecto, objetiva facilitar o acesso ao Poder Judiciário da parte litigante.

4. Agravo interno a que se nega provimento. 

(AgInt no CC n. 153.878/DF, relator Sérgio Kukina, Primeira Seção, DJe de 19/6/2018.)

E se existir norma local em sentido diverso? Bom, ainda assim prevalece o comando do §único do art. 52 do CPC, pois atos normativos legislativos ou secundários emanados dos Estados-Membros em matéria de competência processual não prevalecem sobre as leis processuais federais, conforme decisão repetitiva do Superior Tribunal de Justiça no TEMA/IAC 10:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA (IAC). COMPETÊNCIA. JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA. VARA ESPECIALIZADA DA JUSTIÇA COMUM. COMARCAS DIVERSAS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA). ESTATUTO DO IDOSO. LEI DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA (LACP). CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (CDC). CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC). LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA. ATO NORMATIVO LOCAL. ALTERAÇÃO DE COMPETÊNCIA ABSOLUTA. VEDAÇÃO DE FACULDADE DE AJUIZAMENTO DA AÇÃO NA COMARCA DE DOMICÍLIO DO AUTOR. ILEGALIDADE. RESOLUÇÃO N.º 9/2019/TJMT. ALTERAÇÃO DE COMPETÊNCIA NORMATIZADA EM LEI FEDERAL COM A CONSEQUENTE REDISTRIBUIÇÃO DOS FEITOS. INAPLICABILIDADE. FIXAÇÃO DE TESES VINCULANTES. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA PROVIDO. 

1. Prevalecem as leis processuais federais e a Constituição da República sobre atos normativos legislativos ou secundários emanados dos Estados-Membros. Precedentes do STJ. 

[...] 

(RMS n. 64.525/MT, relator Og Fernandes, Primeira Seção, DJe de 29/11/2021.)

No mesmo sentido é a Súmula 206/STJ: 

Súmula 206/STJ: A existência de vara privativa, instituída por lei estadual, não altera a competência territorial resultante das leis de processo.

Registra-se que a regra do §único do art. 52 do CPC se estende às autoridades do Ente Federado, por inteligência do Tema 374/STF, com repercussão geral:

Tema 374/STF: A regra prevista no § 2º do art. 109 da Constituição Federal também se aplica às ações movidas em face de autarquias federais.

Portanto, o mandado de segurança pode ser impetrado na sede do autor, bastando redirecionar o polo passivo para a respectiva autoridade coatora, ainda que com sede funcional em Estado diverso.

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