Artigo publicado originalmente no Jota
Com a conversão da Medida Provisória
1185/2023 na Lei 14.789/2023 ressuscitamos um debate que estava encerrado na
esfera judicial, a saber: qual a natureza jurídica do crédito presumido de
ICMS?
Para quem não gosta de spoilers,
infelizmente o título do artigo denuncia nosso posicionamento.
Vamos promover um rápido resgate histórico
do tema e as justificativas do entendimento aqui exposto:
- O surgimento da tese
A Receita Federal possui um entendimento,
formulado no final dos anos 2000, de que os benefícios fiscais de ICMS
denominados “crédito presumido” teriam a natureza de “subvenção” da espécie
“subvenção para custeio”, resultando na tributação desses créditos pelo
IRPJ/CSLL e PIS/COFINS.
Esse entendimento nasceu não da análise sobre
a natureza jurídica do tal “crédito presumido de ICMS”, mas a partir de sua
classificação contábil.
A redação original do art. 38, §2º, do
Decreto-Lei 1.598/1977 estabelecia que subvenções para investimento “inclusive
mediante redução de impostos” e concedidas como estímulo à implantação ou
expansão de empreendimentos não seriam computadas na determinação do lucro real,
levando ao afastamento da incidência de IRPJ/CSLL.
Os contribuintes, por sua vez,
identificando que o crédito presumido de ICMS era, em verdade, uma redução
de imposto, passaram a classificar contabilmente tais créditos como
“subvenção para investimento”, o que também gerava reflexos no PIS/COFINS dado
que lançado contabilmente como “reserva de capital” (alínea ‘a’ do §2º do art.
38 do Decreto-Lei 1.598/1977, em sua redação original).
Foi examinando o lançamento contábil
promovido pelos contribuintes que a Receita Federal resgatou o Parecer
Normativo CST n. 112, de 29 de Dezembro de 1978 que orientava, em síntese: (i)
as Subvenções para Custeio integram o resultado operacional; (ii) as Subvenções
para Investimento integram o resultado não operacional; (iii) as Subvenções
para Investimento, se registradas como reserva de capital não serão computadas
na determinação do lucro real, desde que obedecidas as restrições para a
utilização dessa reserva.
Assim, aplicando o Parecer Normativo CST n.
112/1978 ao crédito presumido de ICMS, a conclusão da Receita Federal foi no
sentido de que tais benefícios são “subvenções para custeio” e, desse modo,
sujeitos ao IRPJ/CSLL e PIS/COFINS.
- O que é subvenção?
Percebe-se que o debate nunca passou pelo
enfrentamento de duas perguntas fundamentais: o que é subvenção? Qual a
natureza jurídica do “crédito presumido” de ICMS?
Para a primeira pergunta, a resposta está no
art. 12 da Lei 4.320/1964 (Lei do Orçamento Público).
As subvenções são despesas públicas
originadas de verdadeira transferência financeira. Ou seja, o dinheiro tem
que sair das contas públicas (dotação orçamentária) e cair na conta da empresa:
Art.
12. A despesa será classificada nas seguintes categorias econômicas:
[...]
§
3º Consideram-se subvenções, para os efeitos desta lei, as transferências
destinadas a cobrir despesas de custeio das entidades beneficiadas,
distinguindo-se como:
I
- subvenções sociais, as que se destinem a instituições públicas ou privadas de
caráter assistencial ou cultural, sem finalidade lucrativa;
II
- subvenções econômicas, as que se destinem a emprêsas públicas ou privadas de
caráter industrial, comercial, agrícola ou pastoril.
Ou seja, subvenção tem origem em
dotação orçamentária:
Ainda
em relação às subvenções, é importante ressaltar que os dispositivos que tratam
dessa modalidade de despesa estão inseridos no Título I da Lei 4.320/64, que
trata da lei de orçamento. Sendo assim, as subvenções são dotações
orçamentárias, o que lhes confere o caráter de recurso público.
(TCU.
ACÓRDÃO 1285/2008 – PLENÁRIO. DATA DA SESSÃO 02/07/2008)
Definitivamente não é o que ocorre com o
“crédito presumido de ICMS”.
- Natureza jurídica do crédito
presumido de ICMS: Renúncia de receita
Se o crédito presumido de ICMS
definitivamente não é subvenção, seja de investimento ou de custeio, pois não
decorre de dotação orçamentária e, portanto, não constitui despesa pública
à luz da Lei 4.320/1964, o que é “crédito presumido de ICMS”?
A resposta também se encontra no direito
positivo.
Quando falamos de “crédito presumido de
ICMS” estamos falando, em verdade, de mecanismo de redução/desconto do ICMS a
ser pago pelo contribuinte. Portanto, estamos no campo da receita pública.
Ao tratar da receita pública, o art. 11 da
Lei 4.320/1964 aponta que ela se classifica em “receita corrente” e “receita de
capital”, sendo a receita oriunda dos impostos incluída ao conceito de receita
corrente:
Art.
11 - A receita classificar-se-á nas seguintes categorias econômicas: Receitas
Correntes e Receitas de Capital.
§
1º - São Receitas Correntes as receitas tributária, de contribuições,
patrimonial, agropecuária, industrial, de serviços e outras e, ainda, as
provenientes de recursos financeiros recebidos de outras pessoas de direito
público ou privado, quando destinadas a atender despesas classificáveis em
Despesas Correntes.
Pois bem. Se os valores oriundos do
pagamento de impostos possuem natureza jurídica de “receita pública”, os
descontos dados a esses impostos pelo mecanismo de “crédito presumido” são
“despesa pública”? Negativo! O desconto ao ICMS promovido pela sistemática dos
créditos presumidos possui a natureza de renúncia de receita!
É o que explicita o art. 14 da Lei
Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal):
Da
Renúncia de Receita
Art.
14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza
tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar
acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em
que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei
de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:
[...]
§
1º A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito
presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de
alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de
tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento
diferenciado. (grifos nossos)
Assim, o crédito presumido de ICMS não
pode ter outra natureza jurídica do que a de renúncia de receita e, nessas
condições, incompatível com o conceito jurídico de “subvenção”, já que não se trata
de despesa pública e independe de dotação orçamentária.
Quando ampliamos o debate sobre a
tributação das chamadas “subvenções”, aprofundando o exame do direito positivo,
percebemos que a premissa conceitual adotada pela Receita Federal não se
sustenta.
Mesmo intuitivamente, o art. 16 do CTN
revela que o fato gerador dos impostos é uma “situação independente de qualquer
atividade estatal específica”. Temos, assim, que a mera mudança na
classificação contábil do crédito presumido de ICMS imposta por Lei Federal não
poderia resultar na tributação ou desoneração dessa renúncia de receita
tributária.
O Superior Tribunal de Justiça, ao
enfrentar a tributação sobre crédito presumido de ICMS, seguiu outro caminho. Aponta
que os créditos presumidos não representam lucro e, sobretudo, identificou a
incidência dos tributos federais sobre crédito presumido de ICMS como
ingerência da União sobre política fiscal dos Estados-membros, violando o Pacto
Federativo (EREsp 1517492/PR, DJe. 01/02/2018), razão pela qual a ilegalidade
da cobrança de IRPJ/CSLL sobre crédito presumido de ICMS independente da
classificação contábil desses créditos (AgInt nos EREsp 1607005/PR, DJe. 08/05/2019).
O entendimento do STJ sobre a não
tributação dos créditos presumidos de ICMS foi expressamente reforçado no
repetitivo de Tema 1182/STJ.
Por todo o exposto, por qualquer prisma
que examine o direito positivo, conclui-se pela não incidência de IRPJ/CSLL e
PIS/COFINS sobre crédito presumido de ICMS, uma vez que esse mecanismo de
política tributária não possui a natureza jurídica de subvenção, já que não
compõe a despesa pública e não possui origem em dotação orçamentária, tendo, em
verdade, a natureza jurídica de renúncia fiscal e, nessa condição, não
configura lucro ou receita tributável.
Desse modo, irrelevante a classificação
contábil dada ao crédito presumido de ICMS, quer anterior ou na vigência do
art. 30 da Lei 12.973/2014 e, igualmente, na vigência da MP 1185/2023, agora
convertida na Lei 14.789/2023.
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