A complexidade do direito tributário
brasileiro é fato notório. A grande parcela de culpa deriva do próprio
comportamento estatal em criar diariamente inúmeras regras e exceções tributárias.
Além do excesso de normas, a falta
de devida atenção aos conceitos jurídicos também levam à cobranças indevidas.
Esse é o caso enfrentado quanto à tributação dos terrenos de marinha.
Os terrenos de marinha são de
propriedade exclusiva da União (art. 20, VII, da CF) e, a teor do art. 49, §3º,
do ADCT, estão “situados na faixa de segurança, a partir da orla marítima”. O
detalhamento do conceito de terreno de marinha é objeto da legislação infraconstitucional.
Ao caso em exame interessa saber que
o mesmo dispositivo constitucional supra dispõe que a esses terrenos será
aplicada a enfiteuse.
A enfiteuse é instituto do Direito
Civil e o mais amplo de todos os direitos reais, pois consiste na permissão
dada ao proprietário de entregar a outrem todos os direitos sobre a coisa de
tal forma que o terceiro que recebeu (enfiteuta) passe a ter o domínio útil da
coisa mediante pagamento de uma pensão ou foro ao senhorio (https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/1061040/o-que-se-entende-por-enfiteuse).
Portanto, a União, como proprietária
dos terrenos de marinha, possui o direito de exigir anualmente o pagamento do foro
daqueles que estão nessas áreas e dispõem do domínio útil do bem, também
conhecido como aforamento. Por sua vez, o detentor do domínio útil da área
localizada em terreno de marinha pode exercer da coisa como se fosse verdadeiro
proprietário, inclusive alienando, edificando, alugando, etc. Importante observar
que o direito real ao domínio útil pode ser adquirido inclusive por usucapião.
A operação de venda de imóvel em
terreno de marinha está sujeita ao pagamento de ITBI e de laudêmio.
Historicamente o laudêmio representa compensação devida ao senhorio direto da propriedade,
por não usar o direito de preferência para obtenção do domínio pleno do bem. Já
o ITBI incide em razão da venda se tratar, em verdade, de cessão onerosa do
direito real ao domínio útil do terreno de marinha.
Em que pese os terrenos de marinha
estarem sujeitos a enfiteuse/aforamento, nem sempre o possuidor de bens localizados
em terreno de marinha adquiriu esse direito real. Nesses casos, o existe apenas
a ocupação de terreno de marinha.
Os ocupantes de terreno de marinha só
podem permanecer nessas áreas se recolherem a taxa de ocupação. Com isso
os ocupantes de imóveis em terreno de marinha obtém a posse precária do
bem.
Destaca-se que posse precária não
significa ilegal ou ilegítima. A consequência da posse precária é que a União poderá,
em qualquer tempo que necessitar do terreno, imitir-se na posse do mesmo,
promovendo sumariamente a sua desocupação. É o que diz o art. 132 do
Decreto-Lei 9.760/1946.
Pois bem. O direito de ocupação também
pode ser objeto de venda. Essa operação de venda também está sujeita ao
pagamento de laudêmio, por força do art. 3º do Decreto-Lei 2.398/1987.
Ocorre que em muitos municípios também
se exige o ITBI na venda de imóveis em terreno de marinha objeto de ocupação.
No entanto, essa exigência é inconstitucional.
Isso porque o direito de ocupação não
é direito real. Por sua vez, o art. 156, II, da Constituição expressamente
dispõe que “transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato
oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos
reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua
aquisição”.
Essa questão já foi enfrentada pelo
judiciário, que reconheceu da inexigibilidade do ITBI na venda de imóveis
objeto de direito de ocupação:
ALIENAÇÃO A TERCEIRO DOS DIREITOS DE OCUPAÇÃO DOS IMÓVEIS. AUSÊNCIA DE TRANSFERÊNCIA DE DIREITO REAL. INEXIGIBILIDADE DE ITBI. REFORMA DA SENTENÇA NESSA PARTE. PEDIDO DE INEXISTÊNCIA DE DÍVIDA JULGADO PROCEDENTE NESSE TÓPICO.
Tratando-se de mera posse a ocupação de terreno de marinha da qual tratam os arts. 127 a 132 do Decreto-lei n. 9.670/1946, não cabe a exigência do ITBI no caso de alienação dos respectivos direitos a terceiro.
Assim, ITBI só pode ser exigido na
venda de imóveis em terreno de marinha quando se tratar de enfiteuse/aforamento,
pois este sim é direito real de domínio útil. Caso a posse decorra de ocupação,
não cabe qualquer cobrança de ITBI em sua venda.
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