A base de cálculo do Imposto de Importação



Recentemente foi divulgado com grande repercussão uma decisão proferida pela 6ª Vara Federal do Distrito Federal em que, liminarmente, foi determinada a exclusão não só da capatazia, mas dos custos de frete e seguro da base de cálculo do Imposto de Importação.

Segundo a decisão, "a legislação brasileira disciplinou o valor aduaneiro através do Decreto 6.759/09 [Regulamento Aduaneiro]" e "o art. 4º, IN 327/02 estabelece que serão sempre incluídos no valor aduaneiro as despesas relativas ao transporte e ao manuseio da carga até o porto alfandegário, não afastando a inclusão de outras despesas no valor aduaneiro". A partir dessas premissas o juízo federal aplicou a já conhecida tese da "capatazia", no entanto ampliando a exclusão para retirar do conceito de valor aduaneiro os valores de frete internacional e seguro.

Assim surgiu a tese de ilegalidade na inclusão do frete internacional e seguro na base de cálculo do imposto de importação.

No entanto, essa tese não se sustenta por vício nas premissas adotadas.

Iniciando o estudo da questão pelo direito positivo, a Constituição Federal, em seu art. 146, III, 'a', determina que cabe à Lei Complementar estabelecer normas gerais sobre base de cálculo dos impostos. Essa Lei Complementar prevista no art. 146 da CF é denominada pela doutrina "Lei Complementar Nacional", pois estabelece as normas de estrutura dos impostos em caráter amplo, inclusive regrando impostos de competência dos Estados e Municípios. O Código Tributário Nacional (Lei 5.172/1966), por exemplo, cumpre a função constitucional do art. 146 da CF, assim como a Lei Kandir (Lei Complementar 87/1996) e a Lei Complementar 116/2003, que dispõe sobre as regras de estrutura do ISS.

Por sua vez, o art. 98 do CTN dispõe que os tratados internacionais possuem aptidão de revogar ou modificar a legislação tributária interna. Ao enfrentar essa matéria, o STF pacificou que o art. 98 do CTN possui caráter nacional, ou seja, os tratados têm eficácia equânime à União, Estados e Municípios, tal como a Lei Complementar Nacional prevista no art. 146 da CF.

Assim, tratados internacionais em matéria tributária podem ocupar a posição de norma de estrutura destinada pelo sistema tributário nacional à Lei Complementar. Portanto, resta afastada qualquer tese de ilegalidade da atual base de cálculo do imposto de importação por ausência de lei complementar.

Importante destacar que ainda que se fizesse imprescindível Lei Complementar sobre a matéria, o art. 20, II, do CTN traz conceito aberto da base de cálculo do Imposto de Importação, afirmando que a base de cálculo é o "preço normal que o produto alcançaria ao tempo da importação". Esse conceito aberto é preenchido justamente pelo GATT, por comando expresso do art. 2º, II, do Decreto-Lei 37/1966.

Valioso, ainda, apontar que Lei Complementar não institui impostos. Com exceção do Imposto sobre Grandes Fortunas, apenas Lei Ordinária do Ente Federado institui impostos, sendo o Decreto-Lei 37/1966 veículo introdutor do Imposto de Importação no ordenamento jurídico nacional. Aqui cai também o segundo pilar da tese em exame, no sentido de que o conceito de valor aduaneiro é regulamento por decreto. Em verdade, a atual base de cálculo do imposto de importação é regulada pelo Decreto-Lei 37/1966, recepcionado como Lei Ordinária, que faz referência expressa ao GATT, em plena harmonia com o princípio da legalidade.

Por fim, a decisão ainda afirma que, uma vez que a jusrisprudência se firmou pela ilegalidade da IN 327, tanto a capatazia como os outros custos (seguro + frete) igualmente seriam ilegais. Aqui há novo equívoco.

A tese da capatazia está pautada na ilegalidade de ato normativo por abuso do poder regulamentar. Toda a discussão da capatazia parte da interpretação da expressão "até o porto" prevista no GATT. Isso porque o GATT determina que pode ser incluído no conceito de valor aduaneiro os custos gerados "até o porto". O Regulamento Aduaneiro apenas reproduz a redação do GATT. Por sua vez, a IN 327/02 inova, afirmando que os custos de capatazia são custos "até o porto".

Portanto, a discussão levada aos Tribunais não diz respeito aos custos anteriores à chegada da mercadoria ao porto, mas custos posteriores. Ou seja, não há dúvida de que os custos anteriores integram o valor aduaneiro. A dúvida, já eliminada pela jurisprudência, era se os custos posteriores, gerados após o desembarque e antes do desembaraço, também integrariam o conceito de valor aduaneiro - o que foi afastado pelos Tribunais.

Logo, não é toda a IN 327 que é ilegal, mas apenas a parte que incluiu a capatazia no conceito de valor aduaneiro, pois nessa parte extrapolou o comando do GATT (ilegalidade por abuso do poder regulamentar).

Pelo exposto, com a devida vênia à decisão do juízo federal, por qualquer ângulo que se estude a matéria se mostra forçoso concluir pela ilegalidade da inclusão do frete e seguro no conceito de valor aduaneiro.

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