A sobrestadia, também denominada demurrage, é o valor cobrado pelos armadores, agentes de carga e outros atores do setor portuário pelo tempo que o contêiner fica em posse do importador.
Não existem muitos trabalhos doutrinários sobre a matéria, sendo que os estudos sobre o assunto são, em sua maioria, jurisprudenciais. No entanto, os Tribunais não conseguem, muitas vezes, corresponder ao exame científico que a matéria exige, por ausência de tempo, volume de trabalho ou a divisão em áreas especializadas que limitam a visão das complexas relações jurídicas que envolvem a importação,
Entre os temas que merecem um olhar especial, podemos citar a natureza da importação por conta e ordem de terceiro e seus reflexos na cobrança de demurrage.
Dessa forma, cabe destacar alguns pontos que muitas vezes não são devidamente compreendidos pela jurisprudência.
· A demurrage na Importação por Conta e Ordem de Terceiro
Essa modalidade de importação foi criada pela Media Provisória 2.158/2001 e é regulamentada pela Instrução Normativa 225 de 2002.
Esse tipo de importação é sui generis. Isso porque o importador, ou melhor, a trading importadora, não é o ator principal do transporte. Em verdade, ele age como mero mandatário do real adquirente das mercadorias, este sim responsável pelas despesas relacionadas à importação e proprietário das mercadorias estrangeiras.
É o adquirente que pactua a compra internacional e assume o pagamento das despesas da importação.
No campo tributário a jurisprudência majoritária já reconhece esse quadro, razão pela qual se exige o ICMS-importação do adquirente e não do importador.
Sendo a adquirente o real importador, a consequência mais evidente é a ilegítima da cobrança de demurrage em face da trading importadora, mera mandatária, devendo a ação ser intentada contra o real adquirente.
Nesse sentido é o precedente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo:
APELAÇÃO CÍVEL Nº 024030143333 APELANTE: CAPITAL AGENCIAMENTO DE CARGAS NACIONAIS E INTERNACIONAIS LTDA. APELADO: COMMAR COMÉRCIO E NAVEGAÇÃO LTDA. RELATOR: DES. CARLOS SIMÕES FONSECA ACÓRDÃO EMENTA : APELAÇÃO CÍVEL - CIVIL E PROCESSO CIVIL - MONITÓRIA - DUPLICATAS MERCANTIS - CONTRATAÇÃO DE TRANSPORTE DE MERCADORIAS IMPORTADAS - IMPORTAÇÃO DO TIPO "POR CONTA E ORDEM DE TERCEIROS" - IMPORTADORA QUE FUNCIONA APENAS COMO PRESTADORA DE SERVIÇOS DE DESPACHO ADUANEIRO - RESPONSABILIDADE DA ADQUIRENTE - RECURSO IMPROVIDO. 1. De acordo com as instruções normativas da Receita Federal aplicáveis à espécie, na importação do tipo "por conta e ordem de terceiros" a importadora está autorizada a realizar o despacho aduaneiro e retirar a mercadoria adquirida pela compradora do recinto alfandegário. Sua atividade limita-se, portanto, à prestação de serviços de despacho aduaneiro. 2. A responsabilidade pelo pagamento do transporte da mercadoria despachada até o local de destino escolhido pela compradora é de inteira responsabilidade desta. 3. Havendo vasta prova documental que ateste que quem contratou o frete da mercadoria foi a compradora e não a importadora, confirma-se a responsabilidade da primeira pelo seu respectivo pagamento. 4. A imposição de solidariedade prevista na medida provisória nº 2.158-35, de 2001 (que altera a legislação das Contribuições para a Seguridade Social - COFINS, para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público - PIS⁄PASEP e do Imposto sobre a Renda, e dá outras providências) restringe-se às obrigações tributárias, excluídas, portanto, as civis. 5. Recurso improvido, sentença mantida.
Como bem ressalta a decisão, a solidariedade entre adquirente e importador é apenas no campo tributário, não podendo se estender às obrigações privadas mesma solidariedade, em respeito ao art. 265 do Código Civil, que diz "A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes".
Dessa forma, a trading é sujeito ilegítimo para responder qualquer ação de demurrage em operações de importação por conta e ordem de terceiro.
- Denunciação da lide na importação por conta e ordem
Partindo para uma análise pragmática, caso a trading importadora seja acionada judicialmente a responder pela demurrage, a importadora poderá se valer da denunciação da lide.
Hoje a matéria está disciplinada no artigo 125 do Novo CPC.
Segundo o inciso II, é admissível a denunciação da lide "àquele que estiver obrigado, por lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo de quem for vencido no processo".
A natureza da importação por conta e ordem revela, em si, que toda obrigação derivada da importação deve ser assumida pelo adquirente. No mais, a prestação do serviço de importação por conta e ordem exige o registro de contrato na Receita Federal. Esses contratos, em geral, possuem cláusulas em que a adquirente assume a responsabilidade por qualquer custo da importação, incluindo-se a sobrestadia.
Se o caso concreto possuir essas condições, a operação se amoldará ao comando legal da denunciação da lide, de modo que não sendo reconhecida a ilegitimidade da trading importadora, necessária será a denunciação das empresas adquirentes.
Sobre o assunto há precedente do Tribunal de Justiça de São Paulo:
AÇÃO DE COBRANÇA Sobreestadia de Contêiner Prescrição Inocorrência Prazo prescricional de cinco anos (art. 206, § 5º, CC) e termo “a quo” que se conta desde a data da devolução do cofre, consoante entendimento mais recente do E. STJ Denunciação da lide Cabimento em vista da existência de relação contratual que ampara tal possibilidade- Sentença reformada,afastando-s ea prescrição, com acolhimento da preliminar de denunciação a lide para que a denunciada apresente defesa Determinação de retorno dos autos à Vara de origem para o seu regular processamento Recurso provido para tal fim. (TJSP. Processo: 0045656-26.2012.8.26.0562)
Desse modo, podemos observar que, de forma gradual, os Tribunais vêm identificando as particularidades da importação por conta e ordem, afastando-se a injustiça cometida com as importadoras.
Não existem muitos trabalhos doutrinários sobre a matéria, sendo que os estudos sobre o assunto são, em sua maioria, jurisprudenciais. No entanto, os Tribunais não conseguem, muitas vezes, corresponder ao exame científico que a matéria exige, por ausência de tempo, volume de trabalho ou a divisão em áreas especializadas que limitam a visão das complexas relações jurídicas que envolvem a importação,
Entre os temas que merecem um olhar especial, podemos citar a natureza da importação por conta e ordem de terceiro e seus reflexos na cobrança de demurrage.
Dessa forma, cabe destacar alguns pontos que muitas vezes não são devidamente compreendidos pela jurisprudência.
· A demurrage na Importação por Conta e Ordem de Terceiro
Essa modalidade de importação foi criada pela Media Provisória 2.158/2001 e é regulamentada pela Instrução Normativa 225 de 2002.
Esse tipo de importação é sui generis. Isso porque o importador, ou melhor, a trading importadora, não é o ator principal do transporte. Em verdade, ele age como mero mandatário do real adquirente das mercadorias, este sim responsável pelas despesas relacionadas à importação e proprietário das mercadorias estrangeiras.
É o adquirente que pactua a compra internacional e assume o pagamento das despesas da importação.
No campo tributário a jurisprudência majoritária já reconhece esse quadro, razão pela qual se exige o ICMS-importação do adquirente e não do importador.
Sendo a adquirente o real importador, a consequência mais evidente é a ilegítima da cobrança de demurrage em face da trading importadora, mera mandatária, devendo a ação ser intentada contra o real adquirente.
Nesse sentido é o precedente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo:
APELAÇÃO CÍVEL Nº 024030143333 APELANTE: CAPITAL AGENCIAMENTO DE CARGAS NACIONAIS E INTERNACIONAIS LTDA. APELADO: COMMAR COMÉRCIO E NAVEGAÇÃO LTDA. RELATOR: DES. CARLOS SIMÕES FONSECA ACÓRDÃO EMENTA : APELAÇÃO CÍVEL - CIVIL E PROCESSO CIVIL - MONITÓRIA - DUPLICATAS MERCANTIS - CONTRATAÇÃO DE TRANSPORTE DE MERCADORIAS IMPORTADAS - IMPORTAÇÃO DO TIPO "POR CONTA E ORDEM DE TERCEIROS" - IMPORTADORA QUE FUNCIONA APENAS COMO PRESTADORA DE SERVIÇOS DE DESPACHO ADUANEIRO - RESPONSABILIDADE DA ADQUIRENTE - RECURSO IMPROVIDO. 1. De acordo com as instruções normativas da Receita Federal aplicáveis à espécie, na importação do tipo "por conta e ordem de terceiros" a importadora está autorizada a realizar o despacho aduaneiro e retirar a mercadoria adquirida pela compradora do recinto alfandegário. Sua atividade limita-se, portanto, à prestação de serviços de despacho aduaneiro. 2. A responsabilidade pelo pagamento do transporte da mercadoria despachada até o local de destino escolhido pela compradora é de inteira responsabilidade desta. 3. Havendo vasta prova documental que ateste que quem contratou o frete da mercadoria foi a compradora e não a importadora, confirma-se a responsabilidade da primeira pelo seu respectivo pagamento. 4. A imposição de solidariedade prevista na medida provisória nº 2.158-35, de 2001 (que altera a legislação das Contribuições para a Seguridade Social - COFINS, para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público - PIS⁄PASEP e do Imposto sobre a Renda, e dá outras providências) restringe-se às obrigações tributárias, excluídas, portanto, as civis. 5. Recurso improvido, sentença mantida.
Como bem ressalta a decisão, a solidariedade entre adquirente e importador é apenas no campo tributário, não podendo se estender às obrigações privadas mesma solidariedade, em respeito ao art. 265 do Código Civil, que diz "A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes".
Dessa forma, a trading é sujeito ilegítimo para responder qualquer ação de demurrage em operações de importação por conta e ordem de terceiro.
- Denunciação da lide na importação por conta e ordem
Partindo para uma análise pragmática, caso a trading importadora seja acionada judicialmente a responder pela demurrage, a importadora poderá se valer da denunciação da lide.
Hoje a matéria está disciplinada no artigo 125 do Novo CPC.
Segundo o inciso II, é admissível a denunciação da lide "àquele que estiver obrigado, por lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo de quem for vencido no processo".
A natureza da importação por conta e ordem revela, em si, que toda obrigação derivada da importação deve ser assumida pelo adquirente. No mais, a prestação do serviço de importação por conta e ordem exige o registro de contrato na Receita Federal. Esses contratos, em geral, possuem cláusulas em que a adquirente assume a responsabilidade por qualquer custo da importação, incluindo-se a sobrestadia.
Se o caso concreto possuir essas condições, a operação se amoldará ao comando legal da denunciação da lide, de modo que não sendo reconhecida a ilegitimidade da trading importadora, necessária será a denunciação das empresas adquirentes.
Sobre o assunto há precedente do Tribunal de Justiça de São Paulo:
AÇÃO DE COBRANÇA Sobreestadia de Contêiner Prescrição Inocorrência Prazo prescricional de cinco anos (art. 206, § 5º, CC) e termo “a quo” que se conta desde a data da devolução do cofre, consoante entendimento mais recente do E. STJ Denunciação da lide Cabimento em vista da existência de relação contratual que ampara tal possibilidade- Sentença reformada,afastando-s ea prescrição, com acolhimento da preliminar de denunciação a lide para que a denunciada apresente defesa Determinação de retorno dos autos à Vara de origem para o seu regular processamento Recurso provido para tal fim. (TJSP. Processo: 0045656-26.2012.8.26.0562)
Desse modo, podemos observar que, de forma gradual, os Tribunais vêm identificando as particularidades da importação por conta e ordem, afastando-se a injustiça cometida com as importadoras.
Parabéns! Excelente matéria que vem de encontro com o meu TCC no curso de direito!
ResponderExcluirsobre o tema indicamos o seguinte livro:
ResponderExcluirhttp://www.saraiva.com.br/demurrage-a-sobre-estadia-de-conteiner-no-transporte-maritimo-internacional-9350638.html
Na prática não é isso que ocorre
ResponderExcluirBoa noite queria comprar uns container HC.40 pés PR mim revender..mais não sei da onde posso conseguir direto da fonte vc pode me ajudar
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