O Código Tributário Nacional criou
regra para a restituição tributária que foge à lógica da norma de incidência
dos tributos, em especial nos chamados tributos indiretos, pois concede
legitimidade processual a sujeito que não integra a relação tributária.
Olhando para o texto legal, o art.
166 do CTN dispõe que: “Art. 166. A
restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do
respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o
referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este
expressamente autorizado a recebê-la”.
Esse mecanismo buscou dar justiça
econômica aos sujeitos que integram a cadeia dos tributos não cumulativos. No
entanto, a prática demonstra que o dispositivo criou mecanismo que dificulta a
busca pela restituição dos tributos cobrados indevidamente, o que acarreta uma
miscelânea de interpretações pelos tribunais e, consequentemente, insegurança
jurídica.
De forma pragmática, apresentamos
as principais decisões dos Tribunais sobre o tema, de modo a facilitar a
navegação dos operadores do direito por esse mar turvo que é o Sistema
Tributário Brasileiro.
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Legitimidade
do contribuinte de direito na restituição de tributos indiretos (REsp
903.394/AL - repetitivo)
Com a criação do recurso repetitivo
pela Lei 11.672/2008, as decisões do Superior Tribunal de Justiça passaram a
ter força vinculante no âmbito do Poder Judiciário.
Assim, os temas afetados nesse rito
a partir de 2008 merecem aplicação obrigatória.
No ano de 2010, ao examinar o REsp 903.394/AL,
a Primeira Seção do STJ enfrentou a discussão sobre a aplicação do art. 166 do
CTN na repetição dos tributos indiretos. O leading case escolhido foi o pedido
realizado pelas distribuidoras de bebidas (contribuinte de fato) em relação ao
IPI recolhido pelas fabricantes de bebidas (contribuinte de direito), sob o
fundamento de que na condição de contribuinte de fato arca economicamente com o encargo
do tributo, como previsto no art. 166 do CTN.
O relator Min. Luiz Fux votou por
negar o Recurso Especial do Sindicato das Distribuidoras, sob o fundamento de
que o contribuinte de fato não compõe a relação jurídico-tributária e,
portanto, não teria legitimidade processual para discutir relação jurídica de
terceiro. Seu voto foi seguido por unanimidade.
É da decisão:
PROCESSO
CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO
543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. IPI. RESTITUIÇÃO DE
INDÉBITO. DISTRIBUIDORAS DE BEBIDAS. CONTRIBUINTES DE FATO.
ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. SUJEIÇÃO PASSIVA APENAS DOS
FABRICANTES (CONTRIBUINTES DE DIREITO). RELEVÂNCIA DA
REPERCUSSÃO ECONÔMICA DO TRIBUTO APENAS PARA FINS DE CONDICIONAMENTO
DO EXERCÍCIO DO DIREITO SUBJETIVO DO CONTRIBUINTE DE JURE À
RESTITUIÇÃO (ARTIGO 166, DO CTN). LITISPENDÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO.
AUSÊNCIA. SÚMULAS 282 E 356⁄STF. REEXAME DE MATÉRIA
FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7⁄STJ. APLICAÇÃO.
1. O
"contribuinte de fato" (in casu, distribuidora de bebida)
não detém legitimidade ativa ad causam para pleitear a
restituição do indébito relativo ao IPI incidente sobre os descontos
incondicionais, recolhido pelo "contribuinte de direito"
(fabricante de bebida), por não integrar a relação jurídica tributária
pertinente.
Este posicionamento tem sido
seguido pelos Tribunais no exame da restituição dos tributos indiretos em
geral.
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Legitimidade
do contribuinte de fato na restituição do ICMS incidente na energia elétrica
(REsp 1.299.303/SC - repetitivo)
O posicionamento adotado no REsp
903.394/AL vinha sendo seguido a unanimidade pelo STJ até o exame do REsp
1.299.303/SC no ano de 2012, que tratava da legitimidade do consumidor de
energia propor ação de repetição de indébito relativo à incidência do ICMS na
energia elétrica:
RECURSO ESPECIAL. REPRESENTATIVO
DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. CONCESSÃO
DE SERVIÇO PÚBLICO. ENERGIA ELÉTRICA. INCIDÊNCIA DO ICMS SOBRE A
DEMANDA "CONTRATADA E NÃO UTILIZADA". LEGITIMIDADE
DO CONSUMIDOR PARA PROPOR AÇÃO DECLARATÓRIA C⁄C REPETIÇÃO DE
INDÉBITO.
–
Diante do que dispõe a legislação que disciplina as concessões de serviço
público e da peculiar relação envolvendo o Estado-concedente, a
concessionária e o consumidor, esse último tem legitimidade para propor
ação declaratória c⁄c repetição de indébito na qual se busca
afastar, no tocante ao fornecimento de energia elétrica, a
incidência do ICMS sobre a demanda contratada e não utilizada.
–
O acórdão proferido no REsp 903.394⁄AL (repetitivo), da Primeira Seção,
Ministro Luiz Fux, DJe de 26.4.2010, dizendo respeito a distribuidores de
bebidas, não se aplica ao casos de fornecimento de energia elétrica.
Recurso
especial improvido. Acórdão proferido sob o rito do art. 543-C do Código
de Processo Civil.
Em seu voto o relator Min. Cesar
Asfor Rocha destaca não ignorar a decisão proferida no precedente relativo às
distribuidoras de bebidas. No entanto, entendeu que “no caso dos serviços prestados pelas concessionárias de serviço
público, a identificação do "contribuinte de fato" e do
"contribuinte de direito" deve ser enfrentada à luz, também, das
normas pertinentes às concessões, que revelam uma relação ímpar envolvendo o
Estado-concedente, a concessionária e o consumidor”.
O relator aponta a estreita relação
que existe entre Estado-concedente e a concessionária de serviço de energia
(contribuinte de direito), além da vantagem de a concessionária operar sob
regime de monopólio, o que permite majorar o preço da energia sem se preocupar
com qualquer concorrência. Esses fatores afastam o interesse da concessionária
em exercer seu direito de ação para discutir eventual ilegalidade.
Dessa forma, o STJ estabeleceu
exceção aos consumidores de energia elétrica, autorizando nesse caso o
exercício de ação ao contribuinte de fato.
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Legitimidade
do adquirente na importação por conta e ordem (Tribunal Regional Federal da 4ª
Região)
A importação por conta e ordem de
terceiro é modalidade especial em que a trading importadora age como mera
mandatária do real adquirente, este sim sujeito que arca com todos os custos da
importação, inclusive os tributos.
Considerando a particularidade
dessa operação, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região firmou entendimento de
que a legitimidade para repetir os tributos da importação é do adquirente,
ainda que se trate de tributo direto (cumulativo), pois é o adquirente
sujeito que dispõe de capacidade contributiva na relação jurídica.
Podemos citar como exemplo a
decisão proferida na Apelação Cível 5019987-62.2013.4.04.7200/SC, de relatoria
da Des. Federal Maria de Fátima Labarrè:
Assim,
embora a atuação da empresa importadora possa abranger desde a simples execução
do despacho de importação até a intermediação da negociação no exterior, o
importador de fato é o adquirente, que efetiva a compra internacional, ainda
que nesse caso o faça por via de interposta pessoa - a importadora por conta e
ordem [no caso dos autos a empresa importadora], que é mera mandatária (TRF4,
AC 5001775-95.2010.404.7200, Rel. Marga Inge Barth Tessler, D.E. 18.03.2011).
É
o adquirente que arca com o custo dos tributos devidos na importação e, por
evidente, deve dispor de capacidade econômica para o pagamento tanto da
mercadoria importada quanto dos tributos incidentes. Ainda que o recolhimento
do tributo seja realizado pelo importador, cabe ao adquirente a antecipação dos
valores para tal fim.
O interessante do posicionamento do
TRF4 é que o entendimento se aplica inclusive aos tributos diretos, os quais
não estão abrangidos pelo comando do art. 166 do CTN.
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Legitimidade
do contribuinte de fato na substituição tributária (EREsp 109.261/SP)
Questão que também apresenta
complexidade é a legitimidade na restituição dos tributos não cumulativos
objeto de substituição tributária.
A substituição tributária está
prevista no §7º do art. 150 da CF, incluída pela Emenda Constitucional 03/1993,
e prevê a possibilidade de se atribuir ao sujeito passivo de obrigação
tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição,
cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente.
A Primeira Seção do Superior
Tribunal de Justiça enfrentou a matéria nos Embargos de Divergência 109.261/SP,
no ano de 2001, oportunidade em que se declarou a legitimidade do substituído
(contribuinte de fato), uma vez que o substituto é, em regra, mero repassador
do tributo recolhido de forma antecipada pelo substituído que arca com todo o
ônus.
É da ementa:
PROCESSUAL E TRIBUTÁRIO. ICMS.
SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. RECOLHIMENTO ANTECIPADO.
REVENDEDORA DE MEDICAMENTOS. LEGITIMIDADE "AD
CAUSAM". EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS.
1. Se
a revendedora de medicamentos é quem, ao adquiri-los, paga antecipadamente
o ICMS relativo à venda futura destes, a ser por ela realizada
ao consumidor final, possui, portanto, legitimidade para figurar nas
lides em que se discute acerca do recolhimento antecipado do ICMS.
2. Embargos
de Divergência providos.
Esse entendimento vem sendo
aplicado pelos Tribunais até o momento, sobretudo em se tratando de substituição
tributária do ICMS, em que pese o posicionamento firmado no repetitivo REsp
903.394/AL.
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Legitimidade
do contribuinte de direito, do contribuinte de fato ou do responsável
tributário para impetrar Mandado de Segurança para discutir a ilegalidade do
tributo (EREsp 152.044/SP)
Por fim, há de se destacar que os
Tribunais se mostram flexíveis quanto à legitimidade ativa para impetrar
Mandado de Segurança visando discutir a legalidade da cobrança de tributo,
independentemente da modalidade de sua cobrança, em especial quando não se
requer a restituição do tributo.
Inúmeras são as hipóteses:
* Imposto de Renda Retido na Fonte:
TRIBUTÁRIO
– REPETIÇÃO DE INDÉBITO: LEGITIMIDADE
1.
O Código Tributário Nacional autoriza o sujeito passivo a receber o que foi
pago indevidamente (art. 165 do CTN).
2.
Como o sujeito passivo pode ser responsável ou contribuinte, conclui-se que
está o sujeito passivo legitimado para o indébito.
3.
Embargos de divergência rejeitados.
(STJ.
EREsp 152.044/SP. Rel. Min. Eliana Calmon. Primeira Seção. DJ. 12.06.2000)
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO.
LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM PARA IMPETRAR MANDADO DE SEGURANÇA. ART. 121, II, DO
CTN. PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO. PESSOA JURÍDICA RESPONSÁVEL PELO RECOLHIMENTO
DE IMPOSTO DE RENDA NA FONTE. ART. 2º DO DECRETO-LEI N. 1.814⁄80. PRELIMINAR
ACOLHIDA PARA DETERMINAR O RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA A ANÁLISE DO MÉRITO
DO APELO.
1.
Nos termos do art. 121 do CTN, o sujeito passivo da obrigação tributária pode
ser o contribuinte ou o responsável, sendo que a obrigação deste decorre de
lei. Na hipótese em tela, a empresa impetrante é legalmente obrigada a recolher
na fonte o imposto de renda sobre os valores pagos aos seus dirigentes e
administradores a título de participação nos lucros, na forma do art. 2º do
Decreto-Lei n. 1.814⁄80.
2.
A jurisprudência desta Corte vem perfilhando entendimento no sentido de que a
empresa, na condição de responsável pelo recolhimento do tributo, possui
legitimidade ativa para propor ação visando a impugnação da exação.
Precedentes: REsp 842.390⁄RJ, REsp 263.653⁄SC, EREsp 152.044⁄SP, REsp
68.216⁄MG, REsp 79.372⁄MG, REsp 22825⁄AL.
3.
Recurso especial provido para acolher a preliminar de legitimidade ativa ad
causam da recorrente e determinar o retorno dos autos à origem para que lá seja
analisado o mérito do apelo.
(STJ.
REsp 1.018.028/MG. Rel. Min. Mauro Campbell Marques. Segunda Turma. DJe.
20.09.2010)
* Suspensão da CIDE-combustível:
TRIBUTÁRIO.
PROCESSUAL CIVIL. CIDE. COMBUSTÍVEIS. LEI Nº 10.336/2001. COMERCIANTES
VAREJISTAS. MANDADO DE SEGURANÇA. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM.
I - A jurisprudência deste Superior Tribunal de
Justiça é pacífica no sentido da legitimidade do comerciante varejista de
combustíveis para questionar a cobrança da CIDE. Na hipótese dos autos, tendo
em vista que o pedido é apenas de suspensão de exigibilidade do tributo, sem
que se pleiteie a restituição do que já foi pago, torna-se despiciendo,
ademais, cogitar acerca do repasse do encargo ao consumidor final.
II - Agravo regimental provido.
(STJ.
AgRg no Ag 1.178.273/SP. Rel. Min. Francisco Falcão. Primeira Turma. DJe.
16.03.2012)
Por todo o exposto, restas claro
que os Tribunais adotam uma visão pragmática e econômica na aplicação do art.
166 do CTN, flexibilizando o rigor técnico na tentativa de se obter uma
objetiva justiça social e se evitar o enriquecimento ilícito do Estado e dos
sujeitos envolvidos nessas complexas relações tributárias.
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