Não há transporte com utilização de “container” que não seja multimodal





EMENTA. Direito marítimo Demurrage – Não há transporte com utilização de “container” que não seja multimodal, prescrevendo a ação de cobrança de sobreestadia, conseqüentemente, em 01 (um) ano (art. 22 da Lei 9.611, de 19 de fevereiro de 1998) Prescrição da pretensão em relação a todos os Conhecimentos de Transportes Extinção do feito (art. 269, IV CPC) Recurso provido. (TJSP. AC 9154444-57.2008.8.26.0000. DJe: 06.05.2013)



Regulado pela Lei n. 9.611, de 19 de fevereiro de 1998, o transporte de cargas compartilhado com mais de um veículo, monitorado por um único contrato é definido no art. 2º do diploma:
Transporte Multimodal de Cargas é aquele que, regido por um único contrato, utiliza duas ou mais modalidades de transporte, desde a origem até o destino, e é executado sob a responsabilidade única de um Operador de Transporte.
Administrada por um único operador, a mercadoria sai da origem sob monitoramento absoluto, desde a coleta até a entrega ao destinatário, passando, inclusive, pelo desembaraço documental. Confira-se no art. 3º:
O Transporte Multimodal de Cargas compreende, além do transporte em si, os serviços de coleta, unitização, desunitização, movimentação, armazenagem e entrega de carga ao destinatário, bem como a realização dos serviços correlatos que forem contratados entre a origem e o destino, inclusive os de consolidação e desconsolidação documental de cargas.
No transporte marítimo internacional, antigamente cuidava dessa operação o armador, proprietário do navio, ou seus prepostos.
Com o tempo surgiram os intermediários, até porque o monitoramento se tornou excessivamente dispendioso para os armadores.
Conforme J. C. SAMPAIO DE LACERDA, em DIREITO MARÍTIMO, p. 146/147, qualificaram-se estes profissionais como:
AGENTES DE NAVIO. Agentes. Antigamente, quando um navio atracava a um porto, era o capitão encarregado de providenciar o desembarque das mercadorias e de entregá-las ao destinatário, recebendo os fretes ainda não pagos. Com o desenvolvimento da navegação marítima verificou-se o prejuízo que esse expediente traria com a demora prolongada do navio no porto. Assim, para evitar esses inconvenientes e a fim de permanecerem os navios no porto o menor tempo possível, tanto quanto o necessário para o embarque e desembarque de carga, as companhias que fazem serviços regulares de navegação mantêm nos portos agentes especiais, que são seus prepostos, verdadeiros empregados, sujeitos às regras comuns do contrato de trabalho e que se destinam a substituir o capitão no encargo de entregar aos destinatários e de receber os fretes e providenciar os fretamentos. CONSIGNATÁRIOS. Há, porém, companhias que não tendo o serviço de linhas regulares, em que a navegação é ininterrupta, não julgam conveniente manter agentes em portos onde raramente fazem escalas seus navios. Em tais condições, recorrem elas ao consignatário, verdadeiro mandatário, representante do armador, escolhido por este livremente, muitas vezes entre agentes de outras companhia corretores de navios. Os CORRETORES, em seguida, apareceram como profissionais nomeados e demitidos pelo Presidente da República (op. cit., p. 147/148).
Surge agora, com a promulgação da lei em comento, o OPERADOR DE TRANSPORTE MULTIMODAL, atividade definida no art. 5º:
O Operador de Transporte Multimodal é a pessoa jurídica contratada como principal para a realização do Transporte Multimodal de Cargas da origem até o destino, por meios próprios ou por intermédio de terceiros.
Dispõe a lei, ainda, que podem ser operadores os próprios transportadores. Em outras palavras, podem ser transportadores os armadores, no caso do transporte internacional marítimo. Confira-se no parágrafo único do art. 5º:
O Operador de Transporte Multimodal poderá ser transportador ou não transportador.
Muito bem.
Todos os navios de carga possuem cofres especiais, que por anglicismo são denominados “contâineres”.
Antes da lei em comento e interpretando o Código Comercial, em cotejo com a regulamentação, a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça sustentava - e ainda sustenta - que os “contâineres” fazem parte integrante do navio:
O artigo 5º do Decreto 80.145/77 dispõe que "container" não constitui embalagem das mercadorias e sim parte ou acessório do veículo transportador (Recurso Especial n. 678.100/SP, Relator o Eminente Ministro CASTRO FILHO, DJ 05.09.2005, p. 404).
De se concluir que os “contâineres”, embora sejam peças removíveis, que não compõem o navio, são acessórios indispensáveis à formação do conjunto que identifica a coisa flutuante, como um veículo que transita pelo mar.
O artificialismo da presunção servia de esteio para sedimentar o reconhecimento da prescrição prevista pelo Código Comercial, de 1 (um) ano, para ser oposta à cobrança de sobreestadia ou demurrage de uma parte do navio que ficava em terra, por atraso na devolução dos cofres de carga:
DIREITO COMERCIAL. PRESCRIÇÃO. SOBREESTADIA DE "CONTAINERS". CÓDIGO COMERCIAL, ART. 449, INCISO 3º. LEI Nº 6.288, DE 1975, ART. 3º. Na sobre-estadia do navio, a carga ou a descarga excedem o prazo contratado; na sobre-estadia do "container", a devolução deste se dá após o prazo usual no porto de destino. Num caso e noutro, as ações que perseguem a indenização pelos respectivos prejuízos estão sujeitas à regra do artigo 449, inciso 3º, do Código Comercial. Recurso especial não conhecido (Recurso Especial n. 176.903/PR, Relator o Eminente Ministro ARI PARGENDLER, DJ 09.04.2001, p. 351, JBCC, Vol. 190, p. 285, RSTJ Vol. 190, p. 299).
No mesmo sentido, RSTJ 143/299, REsp 163897/SP.
A lei especial prestigiou a jurisprudência e estabeleceu que o “contâiner”, legalmente denominado “unidade de carga”, é parte integrante do navio.
A unidade de carga, seus acessórios e equipamentos não constituem embalagem e são partes integrantes do todo (art. 24, parágrafo único).
Partindo, assim, da presunção de que os “contâineres”, porque integrando o navio, são de propriedade do armador, todo transporte marítimo de carga em que se utilizam cofres removíveis, é multimodal, porque operado em mais de duas modalidades de transporte, sob a responsabilidade do proprietário do navio (art. 2º da lei).
Não se desconhece, porém, que esses cofres de carga não raras vezes são de propriedade dos intermediários, ou de empresas que os adquirem com o fim específico de alugá-los para transporte.
De se concluir, destarte, que às vezes não é do armador o direito de haver indenização por demora na devolução dos “contâineres”. Indenização porque a devolução de “contâiner” fora do prazo fixado é pretensão que tem caráter indenitário e não penal, pois revela o descumprimento da obrigação estabelecida entre as partes e sinaliza o prejuízo contratual justamente em virtude do atraso na devolução do “contâiner”, não havendo necessidade de prova da culpa para a obrigação de indenizar. Não é, pois, cláusula penal.
E é exatamente isso que acontece quando, dizendo representar o armador, ou dizendo agir em solidariedade com ele, apresentam-se os agentes de navio, os consignatários, os corretores – e depois da lei em análise os Operadores de Transporte Multimodal não armadores – para cobrar sobreestadia ou demurrage.
Essa variante, porém, não desqualifica o transporte multimodal, lembrando que os intermediários estão vinculados a um contrato que prevê, segundo o art. 3º da lei,
 () ... além do transporte em si, os serviços de coleta, unitização desunitização, movimentação, armazenagem e entrega de carga ao destinatário, bem como a realização dos serviços correlatos que forem contratados entre a origem e o destino, inclusive os de consolidação e desconsolidação documental de cargas.
Em outras palavras, são responsáveis os não armadores, intermediários, desde a coleta até a entrega da carga ao destino, situação que, implicando no encaminhamento terrestre de uma parte do navio, com as mercadorias desejadas pelo importador, compreende mais de uma modalidade de transporte.
Dessas duas situações resulta: 1) quando o armador é dono do “contâiner”, o transporte é multimodal; 2) quando o intermediário é contratado para monitorar o contrato, circunstância comprovada pelo interesse na cobrança da sobreestadia, há também transporte multimodal.
Ora, com a promulgação da lei em comento, a prescrição para a cobrança da sobreestadia nos transportes multimodais, do armador ou dos intermediários, não importa, regula-se pelo art. 22 do diploma e, não diferindo do direito anterior, é de 1 (um) ano:
As ações judiciais oriundas do não cumprimento das responsabilidades decorrentes do transporte multimodal deverão ser intentadas no prazo máximo de um ano, contado da data da entrega da mercadoria no ponto de destino ou, caso isso não ocorra, do nonagésimo dia após o prazo previsto para a referida entrega, sob pena de prescrição.
Verificando-se o termo inicial da contagem, por outro lado, conforme a ocorrência de uma das duas condições previstas no dispositivo transcrito, em cada caso concreto será preciso apurar se houve ou não entrega da mercadoria, para acrescer ao lapso de lei os dias que sobejarem.
Em arremate: sempre que houver utilização de “contâiner” - armador ou não o contratante - será multimodal o transporte e ânua a prescrição para regular a cobrança de sobreestadia.
Inspirou-se o legislador ao instituir o lapso prescricional, certamente, na experiência jurisprudencial, fixando prazo de curta duração para evitar os abusos de direito que freqüentemente ocorrem nas hipóteses em testilha.

LUIZ SABBATO

Desembargador Relator Designado

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