A saúde
é um direito de todos e um dever do Estado, este é o preceito positivado no
Art. 196 da CF que reconhece a saúde como, além de um direito social (Art. 6º,
CF) direito fundamental.
Da
leitura do disposto no Art. 196 da CF, observa-se que o Estado possui a
obrigação de criar condições objetivas à promoção da saúde, por ser prerrogativa
constitucional indisponível.
O
reconhecimento da saúde como direito fez com que o judiciário enfrentasse, com
uma frequência crescente, demandas que postulam o fornecimento de medicamentos.
Da análise de tais pedidos surge também o estudo sobre os limites de
interferência que o judiciário possui para garantia do direito à saúde.
A
promoção à saúde é política pública. Assim, a implementação de políticas
públicas é dever da administração pública, que a aplicará respeitando os
critérios de conveniência e oportunidade. Em razão disso nasce a dúvida sobre a
legitimidade da intervenção do judiciário na realização de políticas públicas, no
caso à saúde.
A
política de saúde adotada pela administração é discricionária, mas o dever de
promoção à saúde tem vinculação constitucional. É dessa vinculação
constitucional que reside a autorização para interferência do judiciário na aplicação
das políticas públicas adotadas pela administração. Como aponta Gilmar Mendes é certo que, se não cabe ao Poder Judiciário
formular políticas sociais e econômicas na área da saúde, é sua obrigação
verificar se as políticas eleitas pelos órgãos competentes atendem aos ditames
constitucionais do acesso universal e igualitário. (MENDES, Gilmar. Curso
de Direito Constitucional. 7 ed. p. 715).
A
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal caminha no mesmo sentido:
“Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo
e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se
possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases
excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela
própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais
inadimplentes, cuja omissão – por importar em descumprimento dos encargos
político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório – mostra-se
apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais
impregnados de estatura constitucional.
(RE 410.715/SP. Rel. Min. Celso de Mello. DJ 03.02.2006)
DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO A SAÚDE. AGRAVO
REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. AÇÃO
CIVIL PÚBLICA. PROSSEGUIMENTO DE JULGAMENTO. AUSÊNCIA DE INGERÊNCIA NO PODER
DISCRICIONÁRIO DO PODER EXECUTIVO. ARTIGOS 2º, 6º E 196 DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. 1. O direito a saúde é prerrogativa constitucional indisponível,
garantido mediante a implementação de políticas públicas impondo ao Estado a
obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal
serviço. 2. É possível ao Poder
Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de
políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em
questão que envolve o poder discricionário do Poder Executivo. Precedentes.
3. Agravo regimental improvido. (AgRg
no AI 734.487 PR. Rel. Min. Ellen Gracie. Dje 20.08.2010) (grifo nosso)
Assim,
fica justificada a intervenção judicial na aplicação de políticas públicas de
promoção à saúde.
Contudo,
tal intervenção deve respeitar os limites da razoabilidade e proporcionalidade.
Para essa ponderação os tribunais, pela influência alemã, têm usado os elementos
da teoria da reserva do possível que,
simplificadamente, nas palavras de Fernando Borges Mânica em artigo publicado
na Revista Brasileira de Direito Público, podem ser assim enumerados:
“Assim, o custo direto
envolvido para a efetivação de um direito fundamental não pode servir como
óbice instransponível para sua efetivação, mas deve ser levado em conta no
processo de ponderação de bens. Além disso, deve participar do processo de
ponderação a natureza de providência judicial almejada, em especial no que se
refere a sua necessidade, adequação e proporcionalidade específica para a
proteção do direito fundamental invocado. Por fim, outros elementos devem
participar do processo de ponderação, como o grau de essencialidade do direito
fundamental em questão, as condições pessoais e financeiras dos envolvidos e
eficácia da providência judicial almejada.
A
intervenção do judiciário em políticas públicas de promoção à saúde já
existente é matéria pacificada no Supremo Tribunal Federal. A discussão ainda
reside sobre a intervenção em políticas não aplicadas pela administração, como
tratamentos experimentais e os novos tratamentos ainda não incorporados pelo
Sistema Único de Saúde – SUS. Nessas situações será o caso concreto o fator
primordial de decisão.
Por fim,
o que o Art. 196 impõe ao Poder Público é um dever de prestação positiva que
somente se terá por cumprido, pelas instâncias governamentais, quando estas
adotarem providências destinadas a promover, em plenitude, a satisfação efetiva
da determinação ordenada pelo texto constitucional. Na falta do cumprimento
espontâneo, cabe a garantia ao poder judiciário.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição
(1988).
BRASIL. Supremo Tribunal
Federal. Recurso Extraordinário 410.715/SP. Relator Ministro Celso de Mello.
Diário de Justiça 03 de fevereiro de 2006.
_______.
_______________________.Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 734.487/PR.
Relatora Ministra Ellen Gracie. Diário de Justiça Eletrônico 20 de agosto de 2010.
MÂNICA, Fernando Borges.
Teoria da Reserva do Possível: Direitos Fundamentais a Prestações e a
Intervenção do Poder Judiciário na Implementação de Políticas Públicas Revista
Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, ano 5, n. 18, p. 169-186,
jul./set. 2007.
MENDES, Gilmar. Curso de
Direito Constitucional. 7 ed. Saraiva, 2012.
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