O Programa de Ações Afirmativas, também conhecido como cotas, instituído
gradativamente nas universidades públicas a partir de 2003, possui, desde seu
nascimento, controvérsia acerca de sua constitucionalidade.
A análise a ser feita, seguindo a ótica constitucional do Programa, tem
como base o princípio da isonomia presente no caput do art. 5º da nossa
Constituição Federal. Apontaremos as duas correntes em debate: a que diz ser o
Programa constitucional e aquele que diz ser inconstitucional.
RAZÕES DA
INCONSTITUCIONALIDADE DO PROGRAMA
A busca pela igualdade material permite o tratamento desigual àqueles
que estão em condições de desigualdade.
Aos desiguais o Estado deve buscar, através de políticas sociais,
mecanismos que promovam sua igualdade, respeitando o princípio da
proporcionalidade e o princípio da razoabilidade.
Os dados estatísticos comprovam que uma maioria negra da população não
possui educação de qualidade, sendo a mesma fatia a que possui menor renda. Foi
com base nesses dados que nasceu a política das cotas para o ensino superior,
visando alcançar a igualdade de negros e brancos.
Ocorre que ao analisar friamente os dados estatísticos, o Estado não
observou as reais razões dessa disparidade. Determinou a cor como causa de
desigualdade e, consequentemente, determinou a cor como mecanismo de política
para o fim dessa desigualdade. Assim se faz presente a inconstitucionalidade
das cotas, já que a disparidade não tem como causa a cor. A desigualdade ocorre
em razão das condições financeiras – que no Brasil prepondera em uma classe
formada por negros. Dessa forma, mais adequada seria a política que
beneficiasse os economicamente vulneráveis[1].
A reserva de cotas exclusivamente para negros é medida inadequada e
inconstitucional, pois promove a desigualdade entre negros e brancos em
situação econômica igual, ferindo o princípio da isonomia.
Só a própria Constituição pode estabelecer exceções ao princípio da
isonomia e vedação de discriminações – como é o caso do art. 37, VIII, no
tocante aos portadores de deficiência. Não há em todo texto constitucional
nenhum dispositivo que assegure distinções baseadas na cor da pele ou etnia do
candidato ao concurso vestibular ou àqueles egressos da rede pública de ensino.
RAZÕES DA
CONSTITUCIONALIDADE DO PROGRAMA
Todos os indicadores realizados no Brasil, principalmente os realizados
no período de transição para o século XXI, apontam o que empiricamente está
comprovado: há uma maioria negra na faixa da população com baixos recursos
financeiros e educacionais e uma predominância branca nas faixas
respectivamente mais elevadas[2].
A priori poderíamos falar que se trata de um fator econômico, sendo a
baixa renda a razão das baixas taxas educacionais, contudo, quando comparado,
p. ex, negros e brancos ocupantes de um mesmo cargo empregatício, o empregado
negro – com mesma qualificação profissional – possui salário menor que o
profissional branco. Logo, a desigualdade vai além do fator econômico.
Diante dos dados coletados o Estado, na figura do Poder Executivo, tem o
dever de promover uma política de promoção da classe minoritária. Entre as
opções, o Poder Executivo escolheu o Programa de Ações Afirmativas,
inicialmente nas Universidades Públicas.
Para trazer o debate social para o campo jurídico, necessária é sua
análise sobre a ótica dos princípios constitucionais. Aqui prepondera o
princípio da isonomia, que busca no tratamento diferenciado dos socialmente
desiguais o caminho para a efetiva igualdade. Salta aos olhos a desigualdade
existente entre o grupo de negros e brancos nas instituições superiores de
ensino público, altamente discrepante à realidade social na proporção de negros
e brancos, razão da adoção da política de cotas.
DOUTRINA
E JURISPRUDÊNCIA
Segundo a doutrina dominante, o princípio da impessoalidade, ou da
isonomia, se refere a que os atos da administração, segundo a lei, devem ser
praticados dentro desse princípio, o qual define como impessoal o que não
pertence a uma pessoa em especial, ou seja, nem a determinado grupo
profissional, típico, étnico, etc.
Portanto, o sistema de cotas para o ingresso em universidades federais,
o qual reserva determinado número de vagas para uma especial etnia, contraria o
texto constitucional (artigos 5º e 37 “caput”), bem como da legislação
infraconstitucional (artigo 2º, alínea “e”, da Lei nº 4.717/65), porque
discriminatório.
Contudo, defende-se que a adoção de cotas para estudantes oriundos de escolas
públicas, na proporção de 50% (cinquenta por cento), reservando-se as demais
vagas a alunos advindos de escolas privadas, não fere o princípio da isonomia
e/ou da impessoalidade, pois se analisam variantes socioeconômicas, sem fazer
qualquer juízo de distinção quanto à etnia dos candidatos no acesso ao serviço
público.
No percentual supracitado, a diversidade étnica é garantida no acesso às
vagas em universidades a ambos os grupos, egressos do ensino público e privado,
não pessoalizando por fatores genotípicos; logo, tem-se respeitada a isonomia,
onde se trata os iguais com igualdade e os desiguais com desigualdade,
buscando-se equivalência.
Das divergências jurisprudenciais, temos no Tribunal Regional Federal da
4ª Região, em decisão não unânime, interessante voto do Juiz Márcio Antônio
Rocha, cujo entendimento se fundamenta na inconstitucionalidade das Cotas
aplicadas a afrodescendentes, porquanto tal critério vai de encontro ao
disposto em artigo 3º, IV, e artigo 5º “caput” da Constituição Federal, onde é
vedada qualquer discriminação baseada em preceitos com base em cor ou raça dos
cidadãos.
Já nos tribunais regionais federais das 2ª, 5ª e, em parte, 4ª regiões,
entende-se no sentido de que a isonomia condiz com as ações afirmativas,
independente de se tratar de afrodescendentes ou de egressos do ensino público,
pois se busca tratar com igualdade os iguais e desigualdade os desiguais na
sociedade, tendo-se fundamentações assentem na Lei N.º 9.394/96 e nos artigos
5º e 207 da Constituição Federal
CONCLUSÃO
O Poder Executivo tem liberdade para escolher a política pública que
considerar adequada para promover a igualdade social[3].
A ele cabe decidir o momento e a forma de aplicação de tais políticas. Dentre as
opções, há a possibilidade de programas de discriminação positiva. O mesmo vale
para a administração universitária, que possui autonomia para determinar as
formas de acesso. A discussão no judiciário é se cotas para negros é forma de
política de discriminação positiva ou somente política de discriminação.
O Supremo Tribunal Federal deu sua decisão no dia 26 de abril de 2012, porém, isso não significa que o debate tenha encerrado.
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