TEORIA GERAL DO PROCESSO CIVIL – BREVE HISTÓRIA DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL (Ovídio Baptista)




O fenômeno jurídico, como se dá com todas as expressões culturais formadoras das ciências do espírito, é um ramo do saber humano que não se harmoniza com o conhecimento sistemático, próprio das ciências da natureza.

O direito processual é o ramo da ciência jurídica que tem de tratar, necessariamente, de casos individuais, onde a construção de regras gerais mostrar-se-á sempre uma tarefa limitada e precária.
É possível estabelecer, pelo menos, duas características que marcam, para nossa compreensão, a natureza de processo civil, na fase inicial de sua formação. A primeira (...) o direito, nesse período, confundido com o misticismo religioso, sem o sentido de racionalidade. A segunda particularidade marcante é a circunstância de somente ter lugar a intervenção de um terceiro imparcial, convocado para dirimir um determinado litígio entre particulares, depois que aquele, que se julgasse com direito, privadamente já o tivesse exercido pela força.

A ação de nunciação de obra nova (novi operis nuntiatio), uma das ações mais primitivas cujo conhecimento chegou até nós, exauria-se no exercício privado da nunciação. O autor, simplesmente, exercia o ato de nunciar a obra que, segundo seu entendimento, estava a realizar-se com ofensa ao direito(...) A “ação” processual era exercida, originariamente, por aquele a quem se atribuía a condição de devedor e não, como modernamente acontece, por aqueles que se dizem credores.
Os negócios obrigacionais e reais diferençavam-se entre si pelo fato de exigir-se(...) uma manifestação negocial positiva por parte do obrigado, ao passo que, nos negócios relativos à transferência do domínio ou de outro direito real, o alienante limitava-se a emprestar “adesione com una cooperazione meramente passiva all’altrui affermazione del diritto”.

Pode-se dizer que o conceito moderno de jurisdição, responsável pela formação do denominado processo de conhecimento

O direito moderno, ao receber a herança medieval, acabou recebendo praticamente a velha estrutura do procedimento privado da actio, com suas virtudes e defeitos. Basta ter presentes estes três princípios básicos que caracterizam o direito germânico e que não sobreviveram ao contato com o direito romano, muito mais evoluído: a) o processo civil germânico obedecia ao princípio da oralidade; b) não havia um procedimento prévio de cognição – indispensável no procedimento da actio – para que o credor pudesse promover a execução.

O direito romano-canônico era: a) essencialmente um processo escrito; b) a precedência da execução sobre a cognição que caracterizava o direito dos povos germânicos foi substituída pelo princípio contrário, segundo o qual nunca poderá haver execução sem prévia cognição, princípio este que se conserva soberano no direito moderno, traduzido pela parêmia latina nulla executio sine titulo; c) como vimos, o novo direito formado pela prática medieval (...) ao contrário do princípio consagrado pelo direito germânica, grave invariavelmente o autor com o ônus da prova.

Não é difícil, portanto, descobrir as consequências desta nova concepção processual: a) no que se refere à prevalência da forma escrita sobre o princípio da oralidade, de que o direito moderno só muito mais tarde, e com dificuldades extrema, conseguiu, em parte, libertar-se são dispensáveis maiores comentários, posto que são amplamente conhecidos os extremos inconvenientes a que dá lugar o princípio da escritura, amplamente conhecido dos processualistas; b) já com relação ao princípio da precedência da cognição sobre a execução – que Calamandrei dissera ser princípio soberano e sem exceção no direito moderno –, seria necessário dizer muito mais do que a doutrina contemporânea tem dito, dada a decisiva e nem sempre reconhecida importância de que se reveste este princípio, como pilar de sustentação do processo de conhecimento e, consequentemente, da ordinariedade; c) finalmente, ao estabelecer, como princípio, que o autor não terá reconhecido seu direito senão depois de prova exaustiva de sua existência, o processo civil romano-canônico suprimiu o princípio da verossimilhança, igualando todos os demandantes, ao iniciar-se o procedimento judicial, oferecendo-lhes o duvidoso privilégio de servirem-se do mesmo instrumento processual, qual seja o procedimento ordinário, indiferente ao maior ou menor grau de verossimilhança de suas respectivas alegações. Quer dizer, o processo do conhecimento, ordinário por natureza e propósitos, parte da suposição de que o demandante, qualquer que ele seja, não tem razão, a não ser que prove o contrário.
Se o direito contemporâneo recuperou, em parte, o princípio da oralidade, não teve, quanto aos demais, a menor capacidade de reação, conservando-se inteiramente submetido ao binômio ordinariedade + precedência da cognição sobre a execução, que são, na verdade, dois princípios que se conjugam e completam, ou as duas faces de um mesmo princípio.

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