ALEXY, Robert - Teoria dos Direitos Fundamentais





Cap. 1
OBJETO E TAREFA DE UMA TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

I – O Conceito de uma Teoria Jurídica Geral dos Direitos Fundamentais da Constituição alemã
A análise a ser aqui desenvolvida diz respeito a uma teoria jurídica geral dos direitos fundamentais da Constituição alemã. O objeto e natureza dessa teoria decorrem dos três atributos mencionados: ela é, em primeiro lugar, uma teoria jurídica; e, por fim, uma teoria geral.
1. Teoria dos direitos fundamentais da Constituição alemã
Uma teoria dos direitos fundamentais da Constituição alemã é uma teoria acerca de determinados direitos fundamentais positivos vigentes.
Teorias histórico-jurídicas, no âmbito da interpretação histórica, e teorias de direitos fundamentais de outros países, no âmbito da interpretação comparada, podem desempenhar um significativo papel para a interpretação dos direitos fundamentais da Constituição alemã.
2. Teoria jurídica dos direitos fundamentais da Constituição alemã
Enquanto teoria do direito positivo, uma teoria jurídica dos direitos fundamentais da Constituição alemã é uma teoria dogmática.
É possível distinguir três dimensões da dogmática jurídica: uma ANALÍTICA, uma EMPÍRICA e uma NORMATIVA.
A dimensão analítica diz respeito à dissecção sistemático-conceitual do direito vigente. O espectro de tal dimensão estende-se desde a análise de conceitos elementares (por exemplo, do conceito de norma, de direito subjetivo, de liberdade e de igualdade.
A dimensão empírica da dogmática jurídica pode ser compreendida a partir de dois pontos de vista: primeiro, em relação à cognição do direito positivo válido e, segundo, em relação à aplicação de premissas empíricas na argumentação jurídica, por exemplo, no âmbito de argumentos consequencialistas.
A terceira dimensão, a dimensão normativa, avança para além do simples estabelecimento daquilo que, na dimensão empírica, pode ser levado à condição de direito positivo válido, e diz respeito à elucidação e à crítica da práxis jurídica, sobretudo da práxis jurisprudencial.
Na história da Ciência do Direito, e, mais ainda, na história das teorias sobre a Ciência de Direito, os pesos dados a cada uma das três dimensões variam. A transição da jurisprudência dos conceitos para a jurisprudência dos valores, passando pela jurisprudência dos interesses, é um claro exemplo disso.
Em face das três dimensões, o caráter prático da Ciência do Direito revela-se como um princípio unificador. Se a ciência jurídica quiser cumprir sua tarefa prática de forma racional, deve ela combinar essas três dimensões. Ela deve ser uma disciplina integradora e multidimensional: combinar as três dimensões é uma condição necessária da racionalidade da ciência jurídica como disciplina prática.
As razoes disso são facilmente perceptíveis. Para se obter uma resposta a uma questão sobre o que deve ser juridicamente, é necessário conhecer o direito positivo. O conhecimento do direito positivo válido é tarefa da dimensão empírica. Clareza conceitual, ausência de contradição e coerência são pressupostos da racionalidade de todas as ciências. Os inúmeros problemas sistemático-conceituais dos direitos fundamentais demonstram o importante papel da dimensão analítica no âmbito de uma ciência prática dos direitos fundamentais que pretenda cumprir sua tarefa de maneira racional.
O dogmático – e, com isso, o jurídico em sentido próprio e estrito – é constituído pela ligação das três dimensões, de forma orientada à tarefa prática da ciência jurídica. Se o conceito de teoria jurídica é definido a partir dessa base, então, uma teoria jurídica dos direitos fundamentais da Constituição alemã é uma teoria inserida no contexto das dimensões e voltada à tarefa prática da ciência jurídica.
3. Teoria jurídica geral dos direitos fundamentais da Constituição alemã
Uma teoria geral dos direitos fundamentais da Constituição alemã é uma teoria que se ocupa com problemas relacionados a todos os direitos fundamentais, ou a todos os direitos fundamentais de uma determinada espécie, como, por exemplo, a todos os direitos de liberdade, de igualdade ou a prestações positivas. Seu contraponto seria uma teoria particular, que se ocupa de problemas especiais de direitos fundamentais específicos. Nesse sentido, uma teoria que se ocupe de problemas comuns a todos os direitos de liberdade é, certamente, uma teoria geral, mas menos geral que uma teoria que se ocupe dos problemas comuns a todos os direitos fundamentais. Dificuldades surgem quando se intenta diferenciar entre teoria geral e teoria particular nos casos de direitos fundamentais. Mas é possível diferenciar entre uma teoria geral desses direitos como direitos fundamentais de uma determinada espécie e uma teoria particular, que se ocupe de problemas específicos relativos à interpretação desses direitos.

II – Teoria dos Direitos Fundamentais e Teorias dos Direitos Fundamentais
A concepção de uma teoria jurídica geral dos direitos fundamentais expressa um ideal teórico. Ela tem como objetivo uma teoria integradora, a qual engloba, da forma mais ampla possível, os enunciados gerais, verdadeiros ou corretos, passíveis de serem formulados no âmbito das três dimensões e os combine de forma otimizada.
A ideia de uma teoria integradora está sujeita a dois tipos de incompreensões. O primeiro sugere que o postulado da integração conduziria a uma enorme mixórdia. O segundo tipo de incompreensão sugere que o programa integrativo exige demais da teorização sobre direitos fundamentais, fazendo com que toda teoria de direitos fundamentais pareça insuficiente ou sem valor se, mesmo que verdadeira ou correta, ela não for ampla. O conceito de uma teoria integrativa é uma ideia regulativa. Toda teoria sobre direitos fundamentais que contribua para a realização desse ideal tem, devido a essa contribuição, o seu valor. Para realizar da forma mais ampla possível a teoria dos direitos fundamentais (no sentido de uma teoria ideal), é necessário reunir várias teorias verdadeiras ou corretas sobre direitos fundamentais.
Böckenförde diferencia entre cinco teorias: a teoria liberal ou do Estado de Direito burguês, a teoria institucional, a teoria axiológica, a teoria democrático-funcional e a teoria social-estatal.
Essas teorias funcionam como ideia normativa guia para a interpretação. A partir desse ponto de vista, as teorias apresentadas são concepções básicas das mais gerais sobre o objetivo e a estrutura dos direitos fundamentais.
Teorias de direitos fundamentais sob a forma de concepções básicas não podem, portanto, substituir uma teoria mais elaborada, podendo apenas constituir seu ponto de partida e, possivelmente, seu ponto de chegada.
Uma teoria que pretenda reduzir os direitos fundamentais a apenas uma tese básica pode ser classificada como uma “teoria unipolar”.
Contraposto ao conceito de teoria unipolar é o conceito de teoria combinada. Uma teoria combinada é a que subjaz à jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal, a qual recorre a todas as concepções básicas aqui mencionadas.
Contra uma teoria combinada levanta-se de imediato a objeção de que ela não é uma teoria que possa guiar a decisão e a fundamentação jurídicas, mas apenas uma coleção de topoi extremamente abstratos, dos quais se pode servir da maneira que se desejar.
Se houvesse apenas uma alternativa – ou uma teoria unipolar, ou uma combinação indeterminada de ideias básicas abstratas e passíveis de colisão – poder-se-ia dizer que a teoria dos direitos fundamentais encontra-se, de fato, diante de um dilema. Mas essas alternativas não esgotam, de forma nenhuma, as possibilidades de construção de teorias sobre direitos fundamentais. A insuficiência de ambas as teorias apenas demonstram que uma teoria dos direitos fundamentais não pode manter-se na superficialidade de ideias básicas, seja sob a forma de uma teoria unipolar, seja sob a forma de uma teoria combinada. O controle desses pontos de vistas requer, no entanto um modelo que proporcione mais que uma simples compilação não vinculante. Elaborar um modelo desse tipo é a tarefa de uma teoria integrativa.

III – Teoria dos Direitos Fundamentais como Teoria Estrutural
Uma teoria estrutural é, primariamente, uma teoria analítica. Mas apenas primariamente, e não totalmente analítica, porque investiga estruturas como a dos conceitos de direitos fundamentais, de suas influências no sistema jurídico e na fundamentação no âmbito dos direitos fundamentais com vistas às tarefas práticas de uma teoria integrativa. Seu principal material é a jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal. Sua ideia guia é a questão acerca da decisão correta e da fundamentação racional no âmbito dos direitos fundamentais. Nesse sentido, tem ela um caráter normartivo-analítico.
Uma teoria estrutural não tem como tarefa apenas constituir a primeira peça de uma teoria integrativa dos direitos fundamentais, mas também a base e a estrutura para o que vem depois.
A dogmática dos direitos fundamentais, enquanto disciplina prática, visa, em última instância, a uma fundamentação racional de juízos concretos de dever-ser no âmbito dos direitos fundamentais.
Quando se examina a caracterização teórico-estrutural dos direitos fundamentais e de suas normas na jurisprudência e na literatura, o que se encontra é um quadro quase desconcertante.
Se não há clareza acerca da estrutura dos direitos fundamentais e de suas normas, não é possível haver clareza na fundamentação nesse âmbito. O mesmo vale para todos os conceitos relativos à dogmática dos direitos fundamentais.
Há provavelmente um amplo consenso sobre a necessidade de esclarecimentos sitemático-conceituais e, com isso, sobre a importância da dimensão analítica.
Na medida em que se critica uma redução da Ciência do Direito à dimensão analítica, é de se concordar com elas. A Ciência do Direito somente pode cumprir sua tarefa prática sendo uma disciplina multidimensional. A conhecida frase de Windscheid – “A decisão é o resultado de uma conta na qual os fatores são os conceitos jurídicos – expressa uma superestimação das possibilidades da Lógica. A análise lógica demonstra exatamente que, nos casos minimamente problemáticos, a decisão não tem como ser tomada com base apenas nos meios da Lógica, a partir de normas e conceitos jurídicos pressupostos.
Sem uma compreensão sistemático-conceitual a Ciência do Direito não é viável como uma disciplina racional. Sem clareza analítica nem mesmo seriam possíveis enunciados precisos e fundamentados sobre a interação das três dimensões. Se há algo que pode livrar ao menos um pouco a ciência dos direitos fundamentais da retórica política e das idas e vindas das lutas ideológicas é o trabalho na dimensão analítica.
A moderna Lógica, a Teoria da Ciência e a Filosófica Prática fornecem instrumentos que prometem um desenvolvimento frutífero da pesquisa jurídico-conceitual já existente, bem como sua incorporação a um modelo abrangente de uma teoria integrativa.

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