O fenômeno jurídico, como se dá com todas as
expressões culturais formadoras das ciências do espírito, é um ramo do saber
humano que não se harmoniza com o conhecimento sistemático, próprio das
ciências da natureza.
O direito
processual é o ramo da ciência jurídica que tem
de tratar, necessariamente, de casos individuais, onde a construção de regras
gerais mostrar-se-á sempre uma tarefa limitada e precária.
É possível estabelecer, pelo menos, duas
características que marcam, para nossa compreensão, a natureza de processo
civil, na fase inicial de sua formação. A primeira (...) o direito, nesse
período, confundido com o misticismo religioso, sem o sentido de racionalidade.
A segunda particularidade marcante é a circunstância de somente ter lugar a
intervenção de um terceiro imparcial, convocado para dirimir um determinado
litígio entre particulares, depois que aquele, que se julgasse com direito,
privadamente já o tivesse exercido pela força.
A ação de nunciação de obra nova (novi
operis nuntiatio), uma das ações mais primitivas cujo conhecimento chegou até
nós, exauria-se no exercício privado da nunciação. O autor, simplesmente, exercia o ato de nunciar a obra que, segundo
seu entendimento, estava a realizar-se com ofensa ao direito(...) A “ação” processual
era exercida, originariamente, por aquele a quem se atribuía a condição de
devedor e não, como modernamente acontece, por aqueles que se dizem credores.
Os negócios obrigacionais e reais
diferençavam-se entre si pelo fato de exigir-se(...) uma manifestação negocial
positiva por parte do obrigado, ao passo que, nos negócios relativos à
transferência do domínio ou de outro direito real, o alienante limitava-se a
emprestar “adesione com una cooperazione meramente passiva all’altrui
affermazione del diritto”.
Pode-se dizer que o conceito moderno de
jurisdição, responsável pela formação do denominado processo de
conhecimento
O direito moderno, ao receber a herança
medieval, acabou recebendo praticamente a velha estrutura do procedimento
privado da actio, com suas virtudes e defeitos. Basta ter presentes estes três
princípios básicos que caracterizam o direito germânico e que não sobreviveram
ao contato com o direito romano, muito mais evoluído: a) o processo civil
germânico obedecia ao princípio da oralidade; b) não havia um procedimento
prévio de cognição – indispensável no procedimento da actio – para que o credor
pudesse promover a execução.
O direito
romano-canônico era: a) essencialmente um
processo escrito; b) a precedência da execução sobre a cognição que
caracterizava o direito dos povos germânicos foi substituída pelo princípio
contrário, segundo o qual nunca poderá haver execução sem prévia cognição,
princípio este que se conserva soberano no direito moderno, traduzido pela
parêmia latina nulla executio sine titulo; c) como vimos, o novo direito
formado pela prática medieval (...) ao contrário do princípio consagrado pelo
direito germânica, grave invariavelmente o autor com o ônus da prova.
Não é difícil, portanto, descobrir as
consequências desta nova concepção processual: a) no que se refere à
prevalência da forma escrita sobre o princípio da oralidade, de que o direito
moderno só muito mais tarde, e com dificuldades extrema, conseguiu, em parte,
libertar-se são dispensáveis maiores comentários, posto que são amplamente
conhecidos os extremos inconvenientes a que dá lugar o princípio da escritura,
amplamente conhecido dos processualistas; b) já com relação ao princípio da
precedência da cognição sobre a execução – que Calamandrei dissera ser
princípio soberano e sem exceção no direito moderno –, seria necessário dizer
muito mais do que a doutrina contemporânea tem dito, dada a decisiva e nem
sempre reconhecida importância de que se reveste este princípio, como pilar de
sustentação do processo de conhecimento e, consequentemente, da ordinariedade;
c) finalmente, ao estabelecer, como princípio, que o autor não terá reconhecido
seu direito senão depois de prova exaustiva de sua existência, o processo civil
romano-canônico suprimiu o princípio da verossimilhança, igualando todos os
demandantes, ao iniciar-se o procedimento judicial, oferecendo-lhes o duvidoso
privilégio de servirem-se do mesmo instrumento processual, qual seja o
procedimento ordinário, indiferente ao maior ou menor grau de verossimilhança
de suas respectivas alegações. Quer dizer, o processo do conhecimento,
ordinário por natureza e propósitos, parte da suposição de que o demandante,
qualquer que ele seja, não tem razão, a não ser que prove o contrário.
Se o direito contemporâneo recuperou, em
parte, o princípio da oralidade, não teve, quanto aos demais, a menor
capacidade de reação, conservando-se inteiramente submetido ao binômio
ordinariedade + precedência da cognição sobre a execução, que são, na verdade,
dois princípios que se conjugam e completam, ou as duas faces de um mesmo
princípio.
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