ILEGALIDADE DA INCLUSÃO DO IBS-CBS À BASE DE CÁLCULO DO IPI, ISS OU ICMS



Os tributos não cumulativos cobrados, destacadamente, do adquirente de bens e serviços não se amoldam ao conceito de “valor da operação” ou “preço” 


Às vésperas da fase de teste da cobrança do IBS-CBS, surge o debate em razão da omissão da EC 132/2023 e LC 214/2025 no que diz respeito à inclusão do IBS-CBS na base de cálculo do ISS e ICMS durante a fase de transição (2027-2032), além da discussão sobre a inclusão do IBS-CBS na base de cálculo do IPI-ZFM a partir de 2027, situação que ameaça a prometida extinção de “tributo sobre tributo”.

Apesar de o debate restar adiado para 2027, dado que em 2026 o IBS-CBS não integrará o total da nota fiscal, conforme definido pela Nota Técnica 2025.002-RTC, regra w60-10, do Portal Nacional da NF-e, este certamente será o principal tema a ser debatido a partir de 2026, pois será o ano em que conheceremos a alíquota a ser aplicada à CBS.

Há quem sustente que a omissão constitucional representa autorização. Isso porque, na tramitação legislativa da EC 132/2023, o inciso IX do artigo 156-A e o §17 do artigo 195 previam expressamente a exclusão dos novos tributos da base dos velhos impostos. Porém, tais dispositivos foram modificados e promulgados na forma em que se encontram hoje, prevendo expressamente apenas a exclusão de suas próprias bases e das bases do PIS/COFINS, PIS/COFINS-importação e do Imposto Seletivo.

A prometida extinção do chamado “tributo sobre tributo” também se põe em xeque diante do inciso IV do §6º do artigo 153 da Constituição, que autoriza expressamente a inclusão do Imposto Seletivo nas bases do ISS, ICMS e do IBS-CBS.

Se a Carta Magna, mesmo reformada, continua prevendo a possibilidade de “tributo sobre tributo”, conforme já previa o constituinte originário em relação à inclusão do IPI na base do ICMS na venda para não contribuinte, de acordo com o inciso XI do §2º do artigo 155, por que defendemos a não inclusão dos novos tributos sobre os velhos impostos?

Bem, a resposta está no consequente da regra-matriz de incidência do IPI, ICMS e ISS, mais precisamente no critério quantitativo desses impostos, quando suas respectivas Leis Complementares definem suas bases de cálculo.

Bem-vindo à nova “tese do século”.

 

- O PAPEL DA LEI COMPLEMENTAR NO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL

Já tivemos a oportunidade de expor em outros trabalhos o papel fundamental que a Lei Complementar exerce no Sistema Tributário Nacional.

Em apertada síntese, a Teoria da Norma Jurídica divide o direito entre normas de conduta, que são aquelas que prescrevem comportamento (obrigação, proibição ou permissão), e normas de estrutura, também chamadas de normas de competência, que se destinam ao entes com capacidade de criar normas.

Entendemos que o fenômeno da incidência dos impostos, aqui adotando a teoria quinária das espécies tributárias, requer, quase que na totalidade das vezes, a transposição por uma norma de estrutura, ou seja, dirigida ao Ente federativo detentor da competência tributária, e uma norma de conduta, que é sempre uma Lei Ordinária produzida pelo respectivo Ente federativo e voltada ao contribuinte, no restrito espaço delimitado pela norma de estrutura, com exceção de quando a Constituição dispõe de maneira diversa.

A norma de estrutura, situação que interessa para a presente exposição, é a Lei Complementar Nacional, instrumento normativo capaz de definir a relação dos impostos discriminados na Constituição e das respectivas bases de cálculo, conforme prevê o artigo 146, III, ‘a’, da CF.

Assim, para entendermos se o IBS-CBS integra a base de cálculo do IPI-ZFM, do ISS e do ICMS, precisamos olhar para o Código Tributário Nacional, para a Lei Complementar 116/2003 e para a Lei Complementar 87/1996.

 

- O CTN E A BASE DE CÁLCULO DO IPI

O Imposto sobre Produtos Industrializados, em breve voltado apenas para os produtos equivalentes aos produzidos na Zona Franca de Manaus e por isso por nós denominado “IPI-ZFM”, tem sua base de cálculo definida no artigo 47, II, ‘a’ e ‘b’, do CTN.

O dispositivo diz que a base de cálculo do IPI-ZFM é “o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria” e, na sua falta, o “preço corrente da mercadoria, ou sua similar, no mercado atacadista da praça do remetente”.

Nota-se que a norma de estrutura do IPI-ZFM revela que a base de cálculo desse imposto é o “preço”, o que se confirma pela sua norma de conduta prevista no §1º do artigo 14 da Lei 4.502/1964, conforme interpretada pela Suprema Corte no Tema 84 do STF.

Então, podemos nos perguntar: IBS-CBS se amolda ao conceito de “preço”? Ora, a resposta só pode ser negativa.

Assim como o IPI não configura “preço” e, por isso, não é incluído em sua própria base de cálculo, o IBS-CBS não se amolda ao conceito de “preço”, dado, igualmente, incidir de forma destacada, ou seja, “por fora”.

Nesse sentido caminha a jurisprudência do STJ, limitando a inclusão, na base de cálculo do IPI, dos chamados 'tributos por dentro', ou seja, aqueles que já estão embutidos no preço do produto:

Ademais, apenas a título de reforço de argumentação, deve-se frisar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica ao afirmar que, para efeitos de apuração do IPI, o valor tributável dos produtos nacionais é o valor total da operação de que decorrer a saída do estabelecimento industrial ou equiparado a industrial, o que abrange, inclusive, o montante dos tributos embutidos no denominado preço por dentro (PIS, Cofins e ICMS). Nesse sentido: AgInt no REsp n. 2.018.262/PR, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 24/4/2023, DJe de 2/5/2023. (AgInt no REsp n. 2.116.487/SC, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 27/5/2024, DJe de 29/5/2024.) 

Em breve a matéria será pacificada por meio do Tema 1304 do STJ.

 

- LEI COMPLEMENTAR 116/2003 E A BASE DE CÁLCULO DO ISS

O artigo 7º da LC 116/2003 define “o preço do serviço” como base de cálculo do ISS.

Muitos municípios buscaram detalhar a definição de “preço do serviço”, criando normas de conduta com diferentes interpretações.

Provocado por meio da ADPF 190, o Supremo Tribunal Federal concluiu que as normas de conduta (leis ordinárias) dos municípios não podem criar normas de estrutura, sob pena de subverter o papel uniformizador da Lei Complementar Nacional.

A Corte Suprema definiu que “o preço do serviço, considerada a receita bruta, refere-se ao total do valor percebido, a título oneroso e em caráter negocial, pela prestação da atividade a terceira pessoa”.

Nesse ponto, sendo o preço do serviço a receita bruta, dela se deve excluir “os tributos não cumulativos cobrados, destacadamente, do comprador ou contratante pelo vendedor dos bens ou pelo prestador dos serviços”, tal como previsto no §4º do artigo 12 do Decreto-Lei 1.598/1977, o que alcança o IBS-CBS.

É como reconhece a Receita Federal na Solução de Consulta Cosit nº 140, de 14 de julho de 2023, em entendimento aplicável ao IBS-CBS:

Depreende-se da leitura do art. 31 da Lei nº 8.981, de 1995, que, para que o imposto não integre a receita bruta, não basta que este seja não cumulativo; é necessário,também, que a sua cobrança seja feita de forma destacada, vale dizer, que na nota fiscal de venda a parcela referente ao imposto não integre o valor da mercadoria ou do serviço. É o que ocorre com o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), caso em que o vendedor ou prestador figura como verdadeiro depositário. O mesmo pode ser dito em relação ICMS apenas quando retido pelo vendedor ou prestador na condição de substituto tributário. 

Consequentemente, dado que o IBS-CBS não integra a receita bruta, tal tributo não pode ser entendido como preço do serviço, base de cálculo do ISS.

 

- LEI COMPLEMENTAR 87/1996 E A BASE DE CÁLCULO DO ICMS

Por fim, chegamos à análise do ICMS.

Desde a Constituição de 1988 o imposto estadual passou a englobar os serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. Com isso, o artigo 13 da LC 87/1996 elenca o “valor da operação” como base do ICMS na circulação de mercadorias e o “preço do serviço” como base do ICMS na prestação dos serviços nele elencados.

Conforme examinado acima, sendo o IBS-CBS tributo cobrado de forma destacada, seu montante não se amolda ao conceito de receita bruta de vendas e serviço, regra esculpida no §4º do artigo 12 do Decreto-Lei 1.598/1977.

No que diz respeito aos serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, não resta dúvida. A exclusão do IBS-CBS decorre da impossibilidade de classificar esses tributos como receita bruta da prestação de serviço, conceito definido pela jurisprudência do STF.

Já na situação em que o ICMS incide sobre a circulação de mercadorias, não se ignora o entendimento firmado no Tema 1223 do STJ, em que se consignou que a base de cálculo do ICMS “não está limitado ao preço da mercadoria, abrangendo também o valor relativo às condições estabelecidas e assim exigidas do comprador como pressuposto para a própria realização do negócio”.

Ainda que não se entenda que a base de cálculo do ICMS se restringe ao preço da mercadoria, não é em todas as hipóteses de incidência do ICMS que o IBS-CBS representa “valor da operação que resulta na circulação da mercadoria”.

Em operações com não contribuintes (b2c), o IBS-CBS é repassado ao consumidor de forma jurídica, ao oposto do PIS/COFINS objeto do Tema 1223 do STJ.

Já nas operações entre contribuintes (b2b), é patente a exclusão do IBS-CBS da base de cálculo do ICMS.

O entendimento apresentado no Tema 214 do STF de que o tributo que “faz parte da importância paga pelo comprador e recebida pelo vendedor na operação” integra a base do ICMS, justifica, a contrario sensu, a exclusão do IBS-CBS da base de cálculo do ICMS em operações entre contribuintes, tal como já previsto para o IPI-ZFM. Isso porque, entre contribuintes, o IBS-CBS não integra o valor da operação, pois se torna crédito do adquirente, o que anula sua incidência em operações b2b.

Situação diversa se verifica na operação com não contribuinte (b2c), pois o IBS-CBS é custo de aquisição, exatamente como previsto para o IPI-ZFM no inciso XI do §2º do artigo 155 da CF.

Por esse motivo, mesmo que se conclua pela interpretação de que a base de cálculo do ICMS é o “valor da operação”, o IBS-CBS, se muito, poderia assumir o conceito de valor da operação exclusivamente nas hipóteses em que o adquirente está impedido de apurar crédito, a exemplo de operações b2c, tal como identificado pelo constituinte originário em relação ao IPI-ZFM e descrito no inciso XI do §2º do artigo 155 da CF.

 

- CONCLUSÃO: A LEI COMPLEMENTAR NACIONAL IMPEDE A INCLUSÃO DO IBS-CBS À BASE DE CÁLCULO DO IPI, ISS E ICMS

Pelo exposto, percebe-se que o debate sobre a inclusão ou não do IBS-CBS à base de cálculo do IPI, ISS e ICMS vai além da simples argumentação de “tributo sobre tributo”.

Ainda que superado todo o debate sobre a repercussão econômica do tributo de modelo IVA e a matriz principiológica da LC 214/2025, ao instituir um tributo regido “pelo princípio da neutralidade, segundo o qual esses tributos devem evitar distorcer as decisões de consumo e de organização da atividade econômica”, é no exame do direito positivo e da adequada compressão dos limites que a Lei Ordinária (norma de conduta) possui perante a norma de estrutura fixada no artigo 146, III, ‘a’, da CF, que encontramos a resposta adequada sobre a possibilidade ou não de inclusão do IBS-CBS à base de cálculo dos velhos impostos sobre consumo.

A conclusão é de que não há omissão legislativa. A jurisprudência pátria, ao interpretar o Código Tributário Nacional, a Lei Complementar 116/2003 e a Lei Complementar 87/1996, revela a impossibilidade de inclusão de tributos não cumulativos cobrados, destacadamente, do adquirente de bens e serviços ao conceito de valor da operação ou preço.

Façamos votos de que não se faça necessário o surgimento desta nova “tese do século”.




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