Legitimidade do Importador por Conta e Ordem restituir tributos da importação




A Lei 10.865/2004, que institui o PIS/COFINS-importação, elegeu como contribuinte e sujeito passivo da relação jurídico-tributária o “importador”, de modo que nas operações de importação por conta e ordem de terceiro o “adquirente” da mercadoria figura como mero responsável solidário:

Art. 5º São contribuintes:
        I - o importador, assim considerada a pessoa física ou jurídica que promova a entrada de bens estrangeiros no território nacional;
        II - a pessoa física ou jurídica contratante de serviços de residente ou domiciliado no exterior; e
        III - o beneficiário do serviço, na hipótese em que o contratante também seja residente ou domiciliado no exterior.
        Parágrafo único. Equiparam-se ao importador o destinatário de remessa postal internacional indicado pelo respectivo remetente e o adquirente de mercadoria entrepostada.


        Art. 6º São responsáveis solidários:
        I - o adquirente de bens estrangeiros, no caso de importação realizada por sua conta e ordem, por intermédio de pessoa jurídica importadora;
        II - o transportador, quando transportar bens procedentes do exterior ou sob controle aduaneiro, inclusive em percurso interno;
        III - o representante, no País, do transportador estrangeiro;
        IV - o depositário, assim considerado qualquer pessoa incumbida da custódia de bem sob controle aduaneiro; e
        V - o expedidor, o operador de transporte multimodal ou qualquer subcontratado para a realização do transporte multimodal.


É da regra-matriz das referidas Contribuições:

REGRA-MATRIZ PIS/Cofins-Importação
HIPÓTESE TRIBUTÁRIA
CONSEQUENTE
Critério material
Critério espacial
Critério temporal
Critério pessoal
Critério quantitativo
Importar bens ou serviços do exterior
(art. 195, IV, CF c/c art. 1º da Lei 10.865/2004)
Território Nacional
(art. 3º, I, Lei 10.865/2004)
Data do registro da DI
(art. 4º, I, Lei 10.865/2004)
Sujeito ativo: União

Sujeito passivo: Importador
(art. 5º, I, Lei 10.865/2004)
Base de cálculo: Valor aduaneiro
(Art. 7º, I, Lei 10.865/2004)

Alíquota:
Art. 8º Lei 10.865/2004

 A partir da análise da regra-matriz das referidas Contribuições, observa-se que o sujeito passivo enquadrado no consequente pela lei instituidora das Contribuições é o importador, de modo que o adquirente só participará da relação jurídico-tributária como responsável solidário em caráter supletivo, conforme preceito do art. 128 do CTN.
Uma vez que o art. 5º, I, da Lei 10.865/2004 elegeu como contribuinte o importador, patente a legitimidade deste para pleitear a restituição das Contribuições por ele adimplidas, independentemente da modalidade da operação de importação.
Apesar da previsão normativa, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região possui decisões no sentido de que o importador por conta e ordem não possui legitimidade, ainda que sujeito passivo da regra-matriz, sob a justificativa de que “Quem, contudo, efetivamente arca com os custos da operação (neles incluídos os tributos incidentes sobre a importação) é o adquirente da mercadoria importada', que é sujeito passivo da obrigação tributária de pagar as contribuições PIS-importação e COFINS-importação (como responsável tributário) e disponibiliza os seus recursos para que o importador operacionalize a importação” (TRF4. AC 5021557-83.2013.404.7200. Rel. Des. Federal Rômulo Pizzolatti. DJe 05.05.2015).
Aqui reside a violação à norma.
Ao alegar que o importador-contribuinte não possui legitimidade para pleitear a repetição em razão das convenções particulares assumidas pelo contrato de importação por conta e ordem de terceiro, que impõe ao adquirente o custo da operação, o Tribunal Federal nega vigência ao art. 123 do CTN, modificando a definição legal de sujeito passivo:

CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL
Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.

No mais, ainda que se diga que o importador é mero mandatário do adquirente, tal relação é de natureza privada e não pode ser oposta pela União como subterfúgio para se esquivar à obrigação de devolver quantia da qual se apropriou indevidamente. Nas palavras do Min. Herman Benjamin: Quando se refere a "particulares", significa que qualquer ato ou acordo dos "sujeitos passivos" é irrelevante para a definição da sujeição passiva (STJ. REsp 910.136/CE. Segunda Turma. Dje. 12.02.2009).
O encargo econômico assumido em relação privada não pode ser oposto para afastar a sujeição passiva:

Nem mesmo o contrato de locação, no qual é atribuída ao locatário a responsabilidade pela quitação dos tributos inerentes ao imóvel, tem o condão de alterar o sujeito passivo da obrigação tributária, consoante dispõe o art. 123 do CTN. Diante disso, carece o locatário de legitimidade para postular a declaração de inexigibilidade das exações, sendo parte legítima para tanto o proprietário-locador do imóvel. Precedentes: AgRg no REsp 687.603/RJ, 2ª T., Min. Eliana Calmon, DJ de 26.09.2005; REsp 656.631/SP, 1ª T., Min. Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJ de 05.09.2005. (REsp nº 757897/RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 06.03.2006)


A alegação levantada pelo Tribunal no sentido de que “Autorizar a restituição de valores à demandante (importadora), nesse contexto, implicaria o seu enriquecimento ilícito (sem causa)” não importa ao direito tributário, por também estar restrita ao direito privado, como já manifestou essa Corte em Representativo de Controvérsia:

Em suma: o direito subjetivo à repetição do indébito pertence exclusivamente ao denominado contribuinte de direito. Porém, uma vez recuperado o indébito por este junto ao Fisco, pode o contribuinte de fato, com base em norma de direito privado, pleitear junto ao contribuinte tributário a restituição daqueles valores.
(STJ. REsp 903394/AL, submetido ao rito previsto no art. 543-C do CPC, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/03/2010, DJe 26/04/2010)


Portanto, independentemente de se tratar de operação de importação “por conta própria” ou “por conta e ordem de terceiro”, ou seja, independentemente de quem assume os custos da operação, a legitimidade do importador-contribuinte deriva do comando expresso do art. 5º, I, da Lei 10.865/2004, que o elegeu como sujeito passivo/contribuinte do PIS/Cofins-importação, de modo que afastar sua legitimidade em razão de convenções particulares é violar frontalmente o art. 123 do CTN.


TRIBUTO DIRETO: INAPLICABILIDADE DO ART. 166 DO CTN

Sustentar que o adquirente é o real legitimidade para figurar no polo passivo da ação que visa repetir tributos oriundos de importação por conta e ordem por suportar os encargos econômicos não possui qualquer amparo legal. Isso porque a mera repercussão econômica do tributo, que consiste no repasse do ônus financeiro ao sujeito subsequente da cadeia de comercialização, não se presta a determinar legitimidade ativa para pleitear em juízo a recuperação de tributos indevidamente exigidos. Eis a razão pela qual o artigo 166 do CTN só é aplicável aos casos em que haja repercussão jurídica, pois, de outro modo, inviável seria a repetição de qualquer tributo incidente sobre o consumo, pois, sem exceção, todos eles repercutem economicamente:

CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL
Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos:
        I - cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;
        II - erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;
        III - reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.
        Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.


O tema encontra posicionamento pacífico nesse Tribunal Superior:

“A norma do art. 166, do Código Tributário Nacional, permite a restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo exclusivamente àquele que demonstrou tê-lo assumido; ou, no caso de transferi-lo a terceiro, estar expressamente por este autorizado a fazê-lo. 2. No caso em tela, conforme explicitado no voto condutor do acórdão recorrido, o imposto cobrado da autora da ação era direto e independia de transferência a terceiro, para efeito de assegurar a repetição que lhe foi garantida na sentença proferida na fase de conhecimento (fl. 63), o que afasta a aplicação do artigo 166 do CTN.”
(STJ - REsp: 361758 SP 2001/0116921-9, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 08/05/2007, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ 21.05.2007 p. 553RET vol. 57 p. 130)


Some-se a isso o fato de o PIS/Cofins-importação incidir uma única vez, somente quando da importação de mercadorias do exterior, não se prolongando sobre as demais etapas da cadeia circulatória.
Dessa forma, para fins de repetição de indébito do PIS-importação e COFINS-importação, não há que se falar em “contribuinte de fato”, pois tais Contribuições não  estão sujeitas à disciplina do art. 166 do CTN.

Pelo exposto, a legislação tributária elege como contribuinte e sujeito passivo da relação jurídico-tributária o importador. Portanto, este é o legitimado para restituir os tributos da importação, quando os tributos não estão sujeitos à não-cumulatividade.

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