O ISS incide sobre
prestação de serviços. Nesse ponto, a doutrina fixou entendimento que a
prestação de serviço é típica obrigação de fazer, sendo que as obrigações de
dar não estão sujeitas ao ISS. Assim, em relação ao contrato de franquia, o debate se resume em distinguir se a
relação jurídica é uma obrigação de dar ou uma obrigação de fazer.
Aqueles que defendem
a não incidência do ISS na franquia sustentam que os pagamentos em royalties
não seriam serviço e sim uma espécie de cessão de direitos, algo mais parecido
com um aluguel - uma obrigação de "dar", e não de "fazer",
pois a franqueada cede marca e know-how.
Em 28.04.2009 o
Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar a matéria (REsp 963.512/RJ), entendeu
que a franquia possui natureza híbrida “plexo indissociável de obrigação de
dar, de fazer e de não fazer”. No entanto, deixou de enfrentar a questão por
entender que a matéria possui índole constitucional, afeta à competência
tributária constitucional.
Acontece que em
09.12.2009 a matéria foi novamente levada à apreciação do STJ (REsp 1.131.872/SC),
especificamente sobre empresa franqueada que presta serviços postais. O tema
foi afetado como repetitivo e o entendimento firmado foi no sentido de que até
a aprovação da Lei Complementar 116/2003 não seria devido ISS em serviços de
franquia, por inexistir tal atividade na lista da Lei Complementar 56/1987. No
entanto, com a promulgação da Lei Complementar 116/2003, a cobrança passou a
ser possível.
Eis a atual
jurisprudência do STJ:
TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ISS. A PARTIR
DA VIGÊNCIA DA LC 116/03, INCIDE ISS SOBRE A ATIVIDADE DE FRANQUIA (ITEM
17.08). PRECEDENTES: EDCL NO RESP 1.121.098/SP, REL. MIN. ARNALDO ESTEVES LIMA,
DJE 26.8.2011; AGRG NO RESP 1.191.839/DF, REL. MIN. CASTRO MEIRA, DJE
27.4.2011. PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO. AGRAVO REGIMENTAL
DESPROVIDO.
1. O Superior
Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que a LC 116/03 (em vigor a partir
de 01.01.2004) expressamente incluiu a atividade de franquia (ou franchising)
na lista de serviços sujeitos ao ISS. Precedentes: EDcl no REsp. 1.121.098/SP,
Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJE 26.8.2011; AgRg no REsp. 1.191.839/DF, Rel.
Min. CASTRO MEIRA, DJE 27.4.2011.
2. No caso, o acórdão
proferido pelo Tribunal de origem entendeu ser inexigível a cobrança do ISS
sobre a franquia até a superveniência da LC 116/03 (fls. 367).
3. Ademais, como ressaltado
na decisão recorrida, não se trata de julgamento extra petita, pois o pedido
alternativo formulado pela empresa era o deferimento da compensação do ISS para
os contratos de franquia celebrados antes da LC 116/03 (fls. 80).
4. Agravo Regimental
do MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO desprovido.
(AgRg no REsp
1113055/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em
03/05/2016, DJe 18/05/2016)
Por sua vez, em 2010 o
Supremo Tribunal Federal reconheceu a Repercussão Geral da matéria, por meio do
Tema 300/STF[1]. Trata-se do RE 603.136, de relatoria do
Min. Gilmar Mendes:
Recurso extraordinário. Tributário. ISS. Franquia. Fato gerador.
Lei Complementar 116/2003. Repercussão geral reconhecida.
(RE 603136 RG,
Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 02/09/2010, DJe-185 DIVULG
30-09-2010 PUBLIC 01-10-2010 EMENT VOL-02417-07 PP-01426 LEXSTF v. 32, n. 382,
2010, p. 192-197 RTFP v. 18, n. 95, 2010, p. 336-340 )
O processo ainda aguarda julgamento.
A matéria também é
objeto da ADI 4784, de relatoria do Min. Roberto Barroso, proposta pela
Associação Nacional das Franquias Postais do Brasil, que discute a matéria em
relação às franqueadas dos Correios. Esta ação foi proposta no ano de 2012 e
também aguarda julgamento.
Apesar da indefinição
em relação às franquias, o STF já examinou o fato gerador do ISS em outras
situações. Eis alguns exemplos:
● ISS e cessão do direito de uso de marca
"Por fim, ressalte-se que há alterações significativas no
contexto legal e prático acerca da exigência de ISS, sobretudo após a edição da
Lei Complementar 116/2003, que adota nova disciplina sobre o mencionado
tributo, prevendo a cessão de direito de uso de marcas e sinais na lista de
serviços tributados, no item 3.02 do Anexo. Essas circunstâncias afastam a
incidência da súmula vinculante 31 sobre o caso, uma vez que a cessão do
direito de uso de marca não pode se considerada locação de bem móvel, mas
serviço autônomo especificamente previsto na Lei Complementar 116/2003." (Rcl
8623 AgR, Relator Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgamento em
22.2.2011, DJe de 10.3.2011)
● Incidência de ISS sobre contrato de leasing
"Ementa: Recurso extraordinário. Direito Tributário. ISS.
Arrendamento mercantil. Operação de leasing financeiro. Artigo 156, III,
da Constituição do Brasil. O arrendamento mercantil compreende três modalidades,
[i] o leasing operacional, [ii] o leasing financeiro e [iii] o chamado
lease-back. No primeiro caso há locação, nos outros dois, serviço. A lei
complementar não define o que é serviço, apenas o declara, para os fins do
inciso III do artigo 156 da Constituição. Não o inventa, simplesmente descobre
o que é serviço para os efeitos do inciso III do artigo 156 da Constituição. No
arrendamento mercantil (leasing financeiro), contrato autônomo que não é misto,
o núcleo é o financiamento, não uma prestação de dar. E financiamento é
serviço, sobre o qual o ISS pode incidir, resultando irrelevante a existência
de uma compra nas hipóteses do leasing financeiro e do lease-back. Recurso
extraordinário a que se dá provimento." (RE 592905, Relator
Ministro Eros Grau, Tribunal Pleno, julgamento em 2.12.2009, DJe de 5.3.2010)
Por fim,
importante apontar que vários Tribunais enfrentaram a matéria sob a óptica
constitucional, firmando entendimento pela inconstitucionalidade da cobrança.
Eis alguns Estados em que a cobrança foi afastada:
·
PR:
Incidente de Declaração de Inconstitucionalidade nº 838.425-5/01 – 18/06/2012
Incidente de declaração de
inconstitucionalidade. Expressão "franquia" (franchising), inserida
no subitem 17.08 da lista anexa à Lei n.º 659/2004, do Município de Pinhais. 1.
Imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS) Lei Complementar n.º
116/2003 que prevê incidência de ISS sobre "franquia" (franchising)
Lei Municipal n.º 659/2004, que reproduz essa disposição no subitem 17.08 da
lista a ela anexa. 2. Constituição Federal, artigo 156, inciso III, que confere
à lei complementar competência para definir, sem lhe autorizar, contudo, a
criar serviços que fiquem sujeitos à incidência de ISS Atividades sujeitas à
incidência do ISS, que devem, eminentemente, caracterizar prestação de serviço.
2.1. "Franquia" (franchising) Contrato cuja finalidade não se
caracteriza pela prestação de serviço Relação jurídica que encerra obrigação
de dar e não obrigação de fazer, conforme o conceito de serviço que advém do
direito privado, utilizado pela Constituição Federal, sem alteração (CF, art.
156, inc. III), o que impede o legislador infraconstitucional de fazê-lo (CTN,
art. 110) Cessão de uso de marca ou patente como sua característica
primordial Prestação de serviço eventualmente presente que é intrínseca ao
contrato, traduzindo-se em mera atividade-meio Impossibilidade de
seccionamento do contrato de franquia Inexistência, por conseguinte, de
prestação de serviço Ofensa ao artigo 156, inciso III, da Constituição
Federal Precedentes Inconstitucionalidade que se reconhece. 3. Incidente de
declaração de inconstitucionalidade julgado procedente.
(TJPR - Órgão Especial - IDI - 838428-5/01 -
Pinhais - Rel.: Rabello Filho - Unânime
- J. 18.06.2012)
·
RJ:
Arguição de Inconstitucionalidade nº 0028891-85.2007.8.19.0000 – 28/01/2008
Argüição de inconstitucionalidade. ISSQN.Franchising.
O contrato de franquia é de natureza híbrida, e não de simples prestação de
serviço, devendo ser encarado pelo mundo jurídico como um todo, e não
desmembrado, em todas as suas modalidades, para que, em parte dele, incida a
tributação. O conceito constitucional de serviço tributável abrange somente as
obrigações de fazer, sendo certo que a negociação para a entrega de uma
franquia ao franqueado por parte do franqueador encerra uma obrigação de dar o
direito à utilização de determinada marca, de seu logotipo, ou de sua
tecnologia, quando for o caso, ou de franquear o acesso mediante um pagamento
previamente ajustado a um determinado produto que se constitui, em última
análise, em uma marca ou uma atividade testados e aceitos pelo público alvo de
certo mercado. O legislador infraconstitucional complementar não pode, sob pena
de usurpar da competência que lhe foi conferida pelo texto constitucional,
prever, no rol de serviços tributáveis, atividade que como serviço não se
caracterize. Acolhimento da argüição para declarar a inconstitucionalidade do
item 17.8 da lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003 e do item 17.07 da
lista anexa ao artigo 48 da Lei nº 480/83 - Código Tributário de Niterói -, com
a redação dada pela Lei 2.118/2003.
(TJRJ. 0028891-85.2007.8.19.0000 - Arguição de
Inconstitucionalidade. Des(a). Maria Henriqueta do Amaral Fonseca Lobo -
Julgamento: 28/01/2008 - OE - SECRETARIA DO TRIBUNAL PLENO E ORGAO ESPECIAL)
·
SP:
Arguição de Inconstitucionalidade nº 9021348-14.2006.8.26.0000 – 17/06/2010
Incidente de Inconstitucionalidade. ISS.
Franquia. Item 17.08 da lista de atividades sob hipótese de incidência, da Lei
Complementar n° 116/03. Item 17.07, da Lei n° 13.071/03, do Município de São Paulo.
Arguição formulada pela 15ª Câmara de Direito Público. Natureza jurídica
híbrida e complexa do contrato de franquia, que não envolve, na essência, pura
obrigação de fazer, mas variadas relações jurídicas entre franqueador e
franqueado, afastando-se do conceito constitucional de serviços. Extrapolação,
pelo Município, do âmbito de abrangência de sua competência material
tributária. Procedência. Inconstitucionalidade declarada.
(TJSP;
Arguição de Inconstitucionalidade 9021348-14.2006.8.26.0000; Relator
(a): José Roberto Bedran; Órgão Julgador: Órgão Especial; Foro Central -
Fazenda Pública/Acidentes - 9ª Vara de Fazenda Pública; Data do
Julgamento: 19/05/2010; Data de Registro: 17/06/2010)
Importante
destacar que as decisões desses Tribunais são vinculantes no âmbito dos
respectivos Estados.
Em resumo, a conclusão é que o tema só estará pacificado com o julgamento da matéria pelo STF em repercussão geral. Até lá o contribuinte estará sujeito aos diferentes entendimentos manifestados pelos Tribunais Estaduais.
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