Prescrição ânua na Sobreestadia de Contêineres - Demurrage

O Código Civil de 2002, com a reforma na denominada 'teoria dos atos de comércio' acabou por revogar a regra prescricional geral da sobreestadia.

Contudo, como bem observado por Rubens Requião, o direito comercial é um conjunto de leis esparsas[1]. Da mesma forma, o direito marítimo, do qual deriva o contrato de transporte internacional que acarreta na obrigação acessória conhecida por demurrage, encontra-se regulamentado por diversas normas esparsas.

Apesar do art. 449 do Código Comercial restar revogado, o atual ordenamento jurídico preservou normas específicas sobre o transporte marítimo e sobre a responsabilidade nessa modalidade de transporte.

Já citava remissão do Código Comercial da editora Saraiva[2] sob o artigo supracitado, o comando que determina como prazo prescricional o período de 01 ano para responsabilidade no contrato de transporte marítimo ainda possui regulamentação especial, o Decreto-Lei n. 116/1967:


O referido decreto regulamenta as operações inerentes ao transporte de mercadorias por via d’água, sendo que seu art. 8° prevê como prazo prescricional para indenização decorrente de tal operação o prazo ânuo:

Art. 8º. Prescrevem ao fim de um ano, contado da data do término da descarga do navio transportador, as ações por extravio de carga, bem como as ações por falta de conteúdo, diminuição, perdas e avarias ou danos à carga.

      Parágrafo único.
 O prazo prescricional de que trata êste artigo sòmente poderá ser interrompido da forma prevista no artigo 720 do Código de Processo Civil, observado o que dispõe o parágrafo 2º do artigo 166 daquele Código. 

O termo ‘avaria’ em destaque deve ser analisado sobre a ótica do direito marítimo preservado no Código Comercial.

O Código Comercial ainda em vigor define em seu art. 761 avaria como sendo “Todas as despesas extraordinárias feitas a bem do navio ou da carga, conjunta ou separadamente, e todos os danos acontecidos àquele ou a esta, desde o embarque e partida até a sua volta e desembarque, são reputadas avarias”.

São de duas espécies as avarias: avarias grossas ou comuns e avarias simples ou particulares.

Ao presente caso merece atenção o conceito de avaria simples.

Define o art. 766 do Código Comercial:
Art. 766 - São avaria simples e particulares:
1 - O dano acontecido às fazendas por borrasca, presa, naufrágio, ou encalhe fortuito, durante a viagem, e as despesas feitas para as salvar.
2 - A perda de cabos, amarras, âncoras, velas e mastros, causada por borrasca ou outro acidente do mar.
3 - As despesas de reclamação, sendo o navio e fazendas reclamadas separadamente.
4 - O conserto particular de vasilhas, e as despesas feitas para conservar os efeitos avariados.
5 - O aumento de frete e despesa de carga e descarga; quando declarado o navio inavegável, as fazendas são levadas ao lugar do destino por um ou mais navios (artigo nº. 614).
Em geral, as despesas feita; e o dano sofrido só pelo navio, ou só pela carga, durante o tempo dos riscos.


Voltamos nossa análise para uma rápida conceituação jurídica do contêiner.

O contêiner, antes definido pela norma como parte integrante do navio, hoje é definido como unidade de carga.

O caput do art. 24 da Lei n. 9.611/98, ao definir unidade de carga, diz “considera-se unidade de carga qualquer equipamento adequado à unitização de mercadorias a serem transportadas, sujeitas a movimentação de forma indivisível em todas as modalidades de transporte utilizadas no percurso”.

É conhecimento geral que o contêiner é instrumento desenvolvido para facilitar a carga e descarga das mercadorias transportadas, sendo no presente caso por via marítima.

As normas aplicáveis aos navios pelo Código Comercial devem ser hoje aplicadas ao contêiner, pois a evolução tecnológica modificou a prática mercantil de utilização exclusiva do espaço do navio no transporte marítimo para a utilização quase que exclusiva das unidades de carga, razão pela qual os institutos como ‘sobreestadia’ e ‘avara’ se aplicam também ao contêiner.

                                  Conforme definição do Banco Central, a demurrage é "a indenização convencionada para o caso de atraso no cumprimento da obrigação de carregar e descarregar as mercadorias no tempo pactuado" (Circular 2.393 de 22.12.1993).

Dessa forma, a sobreestadia do contêiner denominada demurrage deve ser reconhecida como despesa de descarga, sendo que este, por conseguinte, enquadra-se na espécie ‘avaria simples’, como definido pelo Código Comercial.

Portanto, há de se reconhecer a aplicação do Decreto-Lei 116/67 ao caso, pois a sobreestadia de contêiner não é outro ressarcimento que não seja despesa de descarga.







[1] REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 3ª ed. p 27.
[2] Código Comercial, 14ª ed. Editora Saraiva.

Comentários