1.
INTRODUÇÃO
O
confronto de práticas culturais com direitos constitucionais requer um cuidado
especial, um sopesamento entre o ato e os direitos fundamentais
constitucionalmente protegidos.
O
STF firmou entendimento de que se uma prática cultural carrega consigo atos que
ferem a dignidade da pessoa humana ou está eivada de crueldade, tal prática é
ato que viola a Constituição.
Na
ADIN 1856/RJ o objeto em apreço era a Lei estadual 2895/1998 do Estado do Rio de
Janeiro, que regulamentava as chamadas rinhas de galo – pratica culturalmente
aceita, porém, contrária aos preceitos constitucionais, como passamos a
analisar.
2.
ADIN
1856 RJ – Briga de Galos: manifestação cultural ou crime ambiental
EMENTA:
Ação
direta de inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense 2,895/1998) -
Legislação estadual que, pertinente a exposições e a competições entre aves das
raças combatentes, favorece essa prática criminosa - Diploma legislativo que
estimula o cometimento de atos de crueldade contra galos de briga - Crime
ambiental (Lei 9,605/1998, art. 32) - Meio ambiente - Direito à preservação de
sua integridade (CF/1988, ano225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
mera individualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão)
que consagra o postulado da solidariedade - Proteção constitucional da fauna
(CF/1988, art. 225, § 1,°, VII) - Descaracterização da briga de galo como
manifestação cultural Reconhecimento da inconstitucionalidade da lei estadual
impugnada - Ação direta procedente.
A
ADIN em tela foi proposta pelo Procurador-Geral da República com a finalidade
de questionar a Lei estadual 2895/1998 do Estado do Rio de Janeiro, que
permitia a realização de rinhas de galo.
A
Procuradoria-Geral alega que a lei ofende o art. 225, caput e §1º, VII da
Constituição Federal.
Diz
a Carta Magna:
Art.
225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes
e futuras gerações.
§
1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
VII
- proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que
coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou
submetam os animais a crueldade.
A
Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, em resposta às informações
solicitadas, opinou pela improcedência do pedido, afirmando:
1) A
lei vem regulamentar prática popularmente realizada, garantindo segurança e
devida fiscalização;
2) Do
ponto de vista social, a prática de rinhas gera maior integração entre a
comunidade e é responsável por geração de empregos;
3) No
plano jurídico não há violação à Constituição, visto que o artigo dito violado
não se refere aos animais domésticos.
Por
sua vez, o Governador do Estado do Rio de Janeiro opinou pela inépcia da
inicial, por entender que o autor, sob a
sumária argumentação que lhe parece ser suficiente para sustentar o pedido, não
indica quais os dispositivos da lei impugnada entende serem frontalmente
contrários à Constituição Federal, assim como não fundamenta, de forma
especificada, porque cada um dos dispositivos, do ato impugnado são
inconstitucionais.
Em
medida cautelar foi suspensa a lei objeto da ADIN até o julgamento da ação.
O
Advogado-Geral da União opinou pela improcedência do pedido, acolhendo o as
manifestações da Assembleia Legislativa e do Governador do Estado do Rio de
Janeiro.
O
Ministério Público Federal apresentou parecer opinando pela procedência do
pedido.
3.
VOTO
DO RELATOR
O
relator da ADIN, Min. Celso de Mello, preliminarmente afastou a alegada inépcia
da inicial, pois indica a norma de
parâmetro por ela alegadamente transgredida (CF, art. 225, § lº, VII),
estabelece a situação de antagonismo entre o diploma normativo em questão e o
Texto da Constituição da República, fundamentada as razões consubstanciadoras
da pretensão de inconstitucionalidade deduzida pelo auto, expondo-as de maneira
intelegível, para, afinal, postular o reconhecimento da procedência do pedido,
com a consequente declaração de ilegitimidade constitucional da legislação
editada pelo Estado do Rio de Janeiro, de1imitando, desse modo, o âmbito
material do julgamento a ser pronunciado pelo STF.
Quanto
à constitucionalidade, o Relator, amparado pela melhor doutrina e farta
jurisprudência, votou pela inconstitucionalidade da lei fluminense:
Impende assinalar que a proteção
conferida aos animais pela parte final do art. 225, § 1º, VII, da CF abrange,
consoante bem ressaltou o eminente Min. Carlos Velloso, em voto proferido, em
sede cautelar, neste processo, tanto os animais silvestres quanto os domésticos
ou domesticados, nesta classe incluídos os galos utilizados em rinhas, pois o
texto constitucional, em cláusula genérica, vedou qualquer forma de submissão
de animais a atos de crueldade.
Não vejo razão para modificar esse
entendimento, Sr. presidente, pois ele se ajusta, com absoluta fidelidade, a
orientação jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou a propósito do
significado que resulta do art. 225, § 1º, VII, da CF.
(...)
Sendo assim, em face das razões
expostas e considerando, ainda, o parecer douta Procuradoria-Geral da
República, julgo procedente a presente ação direta para declarar a
inconstitucionalidade da Lei 2.895, de 20.03.1998, editada pelo Estado do Rio
de Janeiro.
É o meu voto.
O
voto foi seguido pelos demais Ministros, sendo a ação direta de
inconstitucionalidade, por unanimidade, julgada procedente.
O
que vemos é uma decisão em sintonia a jurisprudência do STF que reafirma a regra
proibitiva estabelecida no art. 225 da CF.
A
manifestação cultural é direito constitucionalmente protegido, porém, práticas
que desrespeitam a dignidade da pessoa humana ou ungidas de crueldade não são
constitucionalmente protegidas.
Este
é o entendimento do STF desde a decisão paradigma no RE 153.531/SC sobre a
farra do boi.
4.
CONCLUSÃO
O
que determina a compatibilização de determinada prática cultural com os
dispositivos constitucionais é o sopesamento de tal prática com os princípios e
direitos fundamentais. Caso um não exclua o outro, há compatibilidade. Porém,
se determinada prática cultural viola direito fundamental, realizando atos de
crueldade ou que violem a dignidade da pessoa humana, prevalece estes.
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