FICHAMENTO: RISCOS E DANOS AMBIENTAIS NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA DO STJ: UM EXAME SOB A PERSPECTIVA DO ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL
1.
INTRODUÇÃO
Com
uma análise inicial da aplicação da responsabilidade no direito ambiental e as
diferenças em relação à responsabilidade civil, o autor apresenta a mais atual
interpretação no âmbito do STJ sobre a responsabilidade ambiental e sua relação
ao dano e risco.
Os
acórdãos destacados apresentam um Estado preocupado com o meio ambiente, dando
destaque ao princípio da prevenção, de maneira que desenham um possível Estado
de Direito Ambiental.
2.
ASPECTOS
EM TORNO DA SOCIEDADE DE RISCO E DA COMPLEXIDADE DA RESPONSABILIDADE CIVIL
O
autor aponta no presente tópico as principais características que tornam a
responsabilidade no direito ambiental diferente daquela observada no direito
civil, em especial a relação ao risco de dano, e como o direito deve
enfrenta-lo.
No
direito ambiental tem-se que o risco
concreto ou potencial é controlado pelo princípio da prevenção, enquanto o
abstrato encontra-se amparado no princípio da precaução.
Assim,
toda essa difusão subjetiva, temporal e
espacial das situações de risco, perigo e dano, conduzem a pensar o meio
ambiente de forma diferente, superando o modelo jurídico tradicional.
O
principal desafio para uma efetiva prevenção dos riscos ambientais é gerado
pelo desenvolvimento econômico que, em nome do progresso, ocultam os riscos de
danos ambientais transmitindo à sociedade uma falsa ideia de controle sobre os
eventuais riscos ecológicos.
O Direito, como ciência, precisa
abrir espaços para discussões em torno de novas formas de sociabilidade, por
meio da criação de instrumentos jurídicos que busquem trazer à baila medidas de
gerenciamento preventivo do risco, baseado nos princípios da prevenção, da
precaução, da responsabilização e da solidariedade.
Ao transpor a teoria do risco para
a responsabilidade civil, cujos elementos foram construídos sob as bases do
racionalismo e das certezas científicas, é necessária a rediscussão do referido
instituto, a fim de adequá-lo às exigências não apenas do risco concreto ou em
potencial, mas principalmente do abstrato, que se revela como imprevisível pelo
conhecimento humano. Em outras palavras, ao analisar o instituto do dano
ambiental, não basta simplesmente importar os elementos da responsabilidade
civil para o Direito Ambiental, sob pena de o sistema jurídico exercer uma
função figurativa e simbólica, distante de uma efetiva proteção do meio
ambiente.
3.
EMERGÊNCIA
DE UM ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL E A NECESSIDADE DE UM NOVO VIÉS HERMENÊUTICO
Da
pós-modernidade nasceu a sociedade de risco. Com a nova visão de risco que o
direito ambiental proporcionou, é necessário uma transformação na então
sociedade de risco, que deverá se voltar para a prevenção.
A partir do momento que se constata
que o meio ambiente sadio é condição para a vida em geral e que a sociedade de
risco torna cada vez mais complexa a tarefa de lidar com o dano ambiental, é
emergencial um Estado preocupado com a questão ecológica.
Diante
da imperiosa necessidade de prevenção do meio ambiente e seu reconhecimento
pelo Estado, o autor visualiza a construção de um Estado de Direito Ambiental.
Sua formação pressupõe a aplicação do
princípio da solidariedade econômica e social com o propósito de se alcançar um
modelo de desenvolvimento duradouro, orientado para a busca da igualdade
substancial entre os cidadãos mediante o controle jurídico do uso racional do
patrimônio natural.
4. FUNDAMENTAÇÃO DA RESPONSABILIDADE
CIVIL POR DANO AMBIENTAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
A
responsabilidade por dano ambiental adotada pelo ordenamento jurídico do Brasil
é responsabilidade objetiva.
O
fim último da reparação no Direito Ambiental
é restabelecer o meio lesado ao
status quo ante, ou seja, é a reconstituição do bem ambiental degradado. A
reparação em pecúnia no instituto da responsabilidade ambiental só deve ser
realizada quando se revelar inatingível a reparação específica.
5. NOVAS FUNÇÕES DA RESPONSABILIDADE
CIVIL POR DANO AMBIENTAL EM FACE DA SOCIEDADE DE RISCO
Por
ter objeto diferente, a responsabilidade por dano ambiental difere da
responsabilidade civil.
Enquanto o dano tradicional está
vinculado à pessoa e aos seus bens considerados de forma individual, o
ambiental é difuso, de titularidade indefinida ou indeterminável, haja vista
que protege um bem de interesse difuso e de uso comum do povo. Pode, ainda,
gerar um dano ambiental reflexo quando a lesão também atinge indivíduos.
Como
anteriormente apontado, a responsabilidade tradicional está baseada na certeza
e segurança, enquanto o dano ambiental está amparado pela teoria do risco.
A
responsabilidade ambiental, assim como a tradicional, exige a demonstração do
nexo causal, porém, este é flexibilizado em razão do princípio da solidariedade
e precaução, que funda o Estado de Direito Ambiental, possuindo grande peso a
verossimilhança e a probabilidade.
Dessa
forma, são mecanismos essenciais da responsabilidade ambiental: a) compensação
das vítimas; b) prevenção de acidentes; c) minimização dos custos
administrativos do sistema; d) retribuição.
6. RISCOS E DANOS AMBIENTAIS NA
JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: UMA ANÁLISE A PARTIR DA
HERMENÊUTICA AMBIENTAL
No
último tópico do trabalho o autor apresenta cinco decisões do Superior Tribunal
de Justiça que demonstram a evolução do direito ambiental no ordenamento
infraconstitucional brasileiro.
a)
O primeiro acórdão apresentado é o REsp 1.094.873/SP, com origem em ação civil
pública proposta pelo Ministério Público de São Paulo visando a proibição da
queima de palha de cana-de-açúcar. A justificativa era a proteção ao meio
ambiente e da saúde dos trabalhadores.
No
âmbito do STJ a discussão gira em torno do art. 27, parágrafo único, da Lei
4771/1965 (Antigo Código Florestal), que trata do uso de fogo em florestas e
outras vegetações.
In Causu, a luz de uma Hermenêutica
Ambiental, contata-se que os ministros utilizaram, embora de forma não
expressa, o princípio da ponderação para sopesar os valores, bens e interesses
envolvidos. Vê-se que os interesses difusos e coletivos referentes ao
equilíbrio, ambiental e à saúde foram priorizados em relação aos interesses
individuais em uma balança hipotética. Ademais, os princípios da solidariedade,
da razoabilidade, da precaução e da prevenção também podem servir de
instrumentos para fundamentar a decisão em questão.
Nesse sentido, ao negar provimento
ao agravo regimental de forma a implementar a sustentabilidade, marco
axiológico do Estado de Direito Ambiental, a Segunda Turma do STJ mostrou-se
avançar no amadurecimento dos postulados do Estado Ecológico das peculiaridades
em torno do dano ambiental.
b)
A segunda decisão em análise é o REsp 972.902/RS, sobre o ônus da prova e sua
inversão em matéria ambiental. O recurso advém de ação civil pública proposta
pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul.
A inversão do ônus da prova ocorre
diante da relevância do objeto jurídico protegido e das dificuldades inerentes
ao dano ambiental. Referida interpretação se dá diante da aplicação dos
princípios da precaução, da prevenção e da responsabilização que estruturam o
Estado de Direito Ambiental.
Assim, ao utilizar os princípios da
precaução, da prevenção e da responsabilização, a Segunda Turma, seguindo a
relatora, entendeu que, nas ações civis ambientais, o caráter público e
coletivo do bem jurídico tutelado - e não eventual hipossuficiência do autor da
demanda em relação ao réu - conduz à conclusão de que alguns direitos do
consumidor também devem ser estendidos ao autor daquelas ações, pois essas
buscam resguardar (e muitas vezes reparar) o patrimônio público coletivo
consubstanciado no meio ambiente.
Notadamente, tratando-se de dano
ambiental, o juiz teria o "poder-dever" de, no caso concreto,
inverter o ônus da prova, não em prol do autor, mas da coletividade em geral,
que tem o direito de ser informada se há ou não possível prática lesiva ao meio
ambiente.
c)
No REsp 769.753/SC o tema tratado é o fato consumado, em razão de
empreendimento realizado em terreno marinho.
A Segunda Turma do STJ, ao seguir o
voto do relator, negou provimento ao recurso do particular e deu provimento aos
recursos da União e do Ministério Público Federal no sentido de demolir o
empreendimento e condenar o empreendedor e o município de Porto Belo,
solidariamente, no que concerne à responsabilidade pelo dano ambiental.
(...)em virtude da sociedade do
risco, o princípio da precaução começa tomar formas mais profundas e complexas
ao invadir todos os ramos do Direito. Se conceitos como certeza, segurança e
verdade tomam novas dimensões em virtude da necessidade de um gerenciamento
preventivo do risco, a própria essência de segurança jurídica, um dos pilares
do Estado de Direito, também assume uma nova roupagem.
O voto relatado pelo Min. Herman
Benjamin só comprova a tendência da Corte Especial de atender aos postulados do
Estado de Direito Ambiental, em especial, a não recepção da teoria do Fato
consumado quando se tratar de dano ambiental.
d)
No REsp 791.653/ RS a matéria em tela é a poluição sonora. O ponto principal é
a existência de dano moral ambiental.
No caso em tela, diante de lacuna
específica de regra jurídica sobre o dano moral ambiental, lança-se mão dos
princípios fundantes e estruturantes do Estado de Direito Ambiental que, além
de serem os alicerces do emergente paradigma estatal, possuem função normativa
primária, como propaga o pós-positivismo. Ademais, aplica-se, por indução, a
normatização existente acerca dano em geral (Lei 10.406/02, que criou o Código
Civil brasileiro), assim como os elementos que formam a responsabilidade civil
ambiental (Lei n. 6.938/81, que cria a Política Nacional do Meio Ambiente e Lei
n. 9.605/98, que tipiFica os crimes ambientais e sanções administrativas por
atividades lesivas ao meio ambiente) e a Lei n 7.347/85 (disciplina a ação
civil pública e a responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao
consumidor, dentre outros)
Observa-se que os danos sofridos
pelo meio ambiente, na maioria dos casos, são irreparáveis, o que leva a
perceber que a defesa do meio ambiente deve ser, sobretudo, preventiva que
reparatória. Isto se deve ao fato de a reparação tratar da lesão concretizada,
enquanto que a prevenção cuida da possibilidade de se impedir o dano.
Nesse esteio, o entendimento da
Primeira Turma do STJ releva-se de forma amadurecer o instituto do dano
ambiental no ordenamento jurídico brasileiro, em especial no que concerne a sua
dimensão extrapatrimonial ao preencher as molduras deônticas acerca do tema,
materializando, assim, as peculiaridades da responsabilidade civil ambiental.
e)
Sobre a responsabilidade do poluidor em área degradada naturalmente recuperada
tratada no REsp 904.324/RS, percebe-se
que as medidas devem ser, de forma prioritária, na atuação da gestão
preventiva. No entanto, diante da sua ocorrência, existem instrumentos de
reparação e de repressão do mesmo, como manifestação dos princípios da
solidariedade, da precaução, da prevenção, da responsabilidade e do
poluidor-pagador, todos estruturantes do Estado de Direito Ambiental e
abordados anteriormente.
Nesta
senda, não basta a recuperação da área degradada.
7.
CONCLUSÃO
Através
da jurisprudência destacada, podemos observar que a existência de um Estado de
Direito Ambiental, preocupado com a prevenção do dano ecológico, é possível.
A
sociedade já reconhece a importância da prevenção ecológica e está consciente
que a ordem social está ligada também à ordem ambiental.
O
dano ambiental começa ganhar destaque e atenção. O direito aplicado à
responsabilidade por dano ambiental passa a superar a tradicional recuperação
do dano para se preocupar com a prevenção do dano.
8.
BIBLIOGRAFIA
LEITE,
José Rubens Morato; BELCHIOR, Germana Parente Neiva. Riscos e danos ambientais
na jurisprudência brasileira do STJ: um exame sob a perspectiva do Estado de
Direito Ambiental. 2008.
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