ABUSO NO PODER DE REGULAMENTAÇÃO




1.       1. O REGULAMENTO EXECUTIVO COMO MEIO DE DISCIPLINAR A DISCRIÇÃO ADMINISTRATIVA

Os órgãos da administração pública, em razão de sua natureza, necessitam de regramentos que vão além do que a Lei alcança.
O Poder Executivo, responsável pela direção superior da administração federal, conforme previsto pela Constituição, é o responsável por editar os parâmetros de execução, as regras operacionais dos órgãos administrativos. Tais regras devem estar de acordo com a lei, visto seu caráter regulamentar derivado/secundário. A expedição de decreto ou regulamento pressupõe a existência de Lei.
Assim enfatiza Celso A. B. de Mello:
a) Onde não houver espaço para uma atuação administrativa, não haverá cabida para regulamento. Foi o que Geraldo Ataliba esclareceu luminosamente: “Só cabe regulamento em matéria que vai ser objeto de ação administrativa ou desta depende. O sistema só requer ou admite regulamento, como instrumento de adaptação ou ordenação do aparelho administrativo, tendo em vista, exatamente, a criação de condições para a fiel execução das leis”.
b) Onde não houver liberdade administrativa alguma a ser exercitada (discricionariedade) – por estar prefigurado na lei o único modo e o único possível comportamento da Administração ante hipóteses igualmente estabelecidas em termos de objetividade absoluta – , não haverá lugar para regulamento que não seja mera repetição da lei ou desdobramento do que nela se disse sinteticamente.[1](GRIFO NOSSO)
Desta forma, os atos regulamentares são meios de padronização dos órgãos administrativos à lei para que não haja discricionariedade na execução da norma na administração pública, garantido a isonomia de direito aos órgãos públicos e seus servidores.


2.       2. A LEI COMO LIMITE DO PODER REGULAMENTAR

Como relatado no tópico anterior, um ato regulamentar pressupões a existência de lei. Este ato deve ir ao encontro da norma legislativa, estando limitada pelo conteúdo da lei e pelas situações peculiares da administração não previstas pelo legislador. Isto se dá em respeito ao princípio da separação dos Poderes.
O limite do poder regulamentar está amparado constitucionalmente no art. 49, V da CF. O texto constitucional reafirma as palavras de Pontes de Miranda, citado por Celso A. B. de Mello: “Se o regulamento cria direitos ou obrigações novas, estranhos à lei, ou faz reviver direitos, deveres, pretensões, obrigações, ações ou exceções, que a lei apagou, é inconstitucional (...). Nenhum elemento novo, ou diferente, de direito material se lhe pode introduzir. Em consequência disso, não fixa nem diminui, nem eleva vencimentos, nem institui penas, emolumentos, taxas ou insenções.”[2]
As condições de restrição ou aquisição de direito só podem ser estabelecidas pela lei, afinal, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5°, II).

Crítica dura realizada pela melhor doutrina se faz em relação às normas em forma de delegação disfarçada. A transferência de função exclusiva do Poder Legislativo é ato inconstitucional (art. 68 da CF).
Leis delegadas são aquelas em que o Poder Legislativo permite a criação de normas obrigacionais ou que criam direitos ou ainda restringe a liberdade por meio de regulamentos.

Fica demonstrado assim que o atual ordenamento jurídico não admite a expedição de regulamentos autônomos. Todo ato administrativo deve estar amparado em norma jurídica superior, no caso específico em norma legislativa.


3.       3. A FUNÇÃO DO PODER REGULAMENTAR

Grosso modo, o papel do poder regulamentar é fazer cumprir no âmbito administrativo o previsto em lei.
Nas palavras de José Carvalho Filho “o poder regulamentar é subjacente à lei e pressupõe a existência desta. É com esse enfoque que a Constituição autorizou o Chefe do Executivo a expedir decretos e regulamentos: viabilizar a efetiva execução das leis” (art. 84, IV)[3].
Desta forma, os atos regulamentares estabelecem regramento procedimental para execução da lei. O regulamento deve estabelecer a forma que o órgão administrativo agirá para que seja cumprido o direito ou obrigação prevista na lei e a ela dar eficácia, nunca acrescentando ou suprimindo.
Concluindo, e dando reforço ao apresentado, “os regulamentos serão compatíveis com o princípio da legalidade quando, no interior das possibilidades comportadas pelo enunciado legal, os preceptivos regulamentares servem a um dos seguintes propósitos: (I) limitar a discricionariedade administrativa, seja para (a) dispor sobre o modus procedendi da Administração nas relações que necessariamente surdirão entre ela e os administrados por ocasião da execução da lei; (b) caracterizar fatos, situações ou comportamentos enunciados na lei mediante conceitos vagos cuja determinação mais precisa deva ser embasada em índices, fatores ou elementos configurados a partir de critérios ou avaliações técnicas segundo padrões uniformes, para garantia do princípio da igualdade e da segurança jurídica; (II) decompor analiticamente o conteúdo de conceitos sintéticos, mediante simples discriminação integral do que neles se contém”.[4]




[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, p. 326, 19ª ed.,Edit. Malheiros, SP, 2005.
[2] Ob. Cit. p. 328-329
[3] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, p. 55, 22ª Ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2009.
[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, p. 340, 19ª ed.,Edit. Malheiros, SP, 2005.

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